MUITO ALÉM DA SIMPLES TAPIOCA
[Ana González]
A primeira vez que eu comi tapioca foi em Recife, na frigideira com recheio. Depois, conheci a baiana, doce no café da manhã com leite de coco. Fiquei com as duas na memória, pois era uma delícia que não era comum em São Paulo naquela época.
Até que um dia, numa esquina do meu bairro, fazendo a feira semanal, vi uma mulher jovem, moça do povo, séria, contida em seus movimentos à frente de um fogareiro de uma boca em uma mesa improvisada. Saia colorida, cabelos longos presos na nuca em um rabo de cavalo.
Ela estava fazendo tapioca, sim, aquela que eu desejara por muito tempo. Seria nordestina? Experimentei e virei freguesa dessa cozinheira de esquina inventando moda na grande capital.
Daí em diante observei seu negócio crescer. Ela incrementou seus recursos, pouco a pouco. Melhorou o fogão e a panela em que fazia a roda de farinha, que é a base da guloseima. Foi mudando detalhes importantes, mas a farinha branca — alvíssima — e os recheios continuavam os mesmos.
Até que um dia vi um homem por lá, a seu lado, com cara de português, um galego alto, de pele clara e olhos castanhos apertadinhos, cabelos curtos. Seria um namorado? A presença contínua me mostrou que era também um parceiro do negócio. A família e os negócios iam bem, obrigada. A barraca na feira se expandiu e o comércio incluía, então, também mandioca descascada e acondicionada em pacotes com água. Apareceram também os pacotes de farinha e o bolo de tapioca, vendido em pedaços quadrados, generosos. Depois vieram os limões e as mangas.
Os anos continuaram a passar até que um dia vi uma garota ajudando na banca. Filha? Bem clara, cabelos também castanhos claros. Perguntei e soube que ela tinha quinze anos — e era filha. Carregava os traços do pai.
Até que no outro dia, na conversinha que se estabelece às vezes na hora da compra, o marido e sócio me confessou que tinha nascido um neto. Era como se ele precisasse me contar. A família crescia. Não, não era o primeiro, havia outros netos maiores. Aí aconteceu a maravilha. Além de eu ter recebido a notícia de presente, ele fez questão de me mostrar fotos em seu celular. Um bebê de bochechas cheias. Olhei para o avô. Babão, havia refletido em seu sorriso, o orgulho do mundo. Fiquei tão feliz que parecia serem da minha família: avô e neto.
E, eram de certa forma. Ou passaram a ser, de certa forma, naquele momento. Sem querer, me liguei a eles, desde que uma pessoa me ofereceu o prazer de comer tapioca numa esquina do meu bairro. Àquela senhora, que continua exatamente a mesma, talvez um pouco mais suave, o que não é o mais normal acontecer — em geral, o sofrimento da vida não dá folga e as pessoas endurecem. E agora, seu companheiro me ganhou com a espontaneidade de um gesto de avô. A foto no celular tão inesperadamente colorindo o meu dia com risos de bebê, de comemoração em família e esperança. Quiçá esperança para o mundo.
No espaço urbano em que sermos invisíveis é o natural, ainda podemos encontrar momentos de calor e de alegria. Ganhamos presença uns para os outros. Ganhamos até imagens de fotos. Sem nada de original ou transcendente, uma feira semanal pode ser transformada em um recanto especial, com tapioca, pedaços de bolo, amor que se faz família, surpresa, inclusão e contentamento.
www.agonzalez.com.br
Até que um dia, numa esquina do meu bairro, fazendo a feira semanal, vi uma mulher jovem, moça do povo, séria, contida em seus movimentos à frente de um fogareiro de uma boca em uma mesa improvisada. Saia colorida, cabelos longos presos na nuca em um rabo de cavalo.
Ela estava fazendo tapioca, sim, aquela que eu desejara por muito tempo. Seria nordestina? Experimentei e virei freguesa dessa cozinheira de esquina inventando moda na grande capital.
Daí em diante observei seu negócio crescer. Ela incrementou seus recursos, pouco a pouco. Melhorou o fogão e a panela em que fazia a roda de farinha, que é a base da guloseima. Foi mudando detalhes importantes, mas a farinha branca — alvíssima — e os recheios continuavam os mesmos.
Até que um dia vi um homem por lá, a seu lado, com cara de português, um galego alto, de pele clara e olhos castanhos apertadinhos, cabelos curtos. Seria um namorado? A presença contínua me mostrou que era também um parceiro do negócio. A família e os negócios iam bem, obrigada. A barraca na feira se expandiu e o comércio incluía, então, também mandioca descascada e acondicionada em pacotes com água. Apareceram também os pacotes de farinha e o bolo de tapioca, vendido em pedaços quadrados, generosos. Depois vieram os limões e as mangas.
Os anos continuaram a passar até que um dia vi uma garota ajudando na banca. Filha? Bem clara, cabelos também castanhos claros. Perguntei e soube que ela tinha quinze anos — e era filha. Carregava os traços do pai.
Até que no outro dia, na conversinha que se estabelece às vezes na hora da compra, o marido e sócio me confessou que tinha nascido um neto. Era como se ele precisasse me contar. A família crescia. Não, não era o primeiro, havia outros netos maiores. Aí aconteceu a maravilha. Além de eu ter recebido a notícia de presente, ele fez questão de me mostrar fotos em seu celular. Um bebê de bochechas cheias. Olhei para o avô. Babão, havia refletido em seu sorriso, o orgulho do mundo. Fiquei tão feliz que parecia serem da minha família: avô e neto.
E, eram de certa forma. Ou passaram a ser, de certa forma, naquele momento. Sem querer, me liguei a eles, desde que uma pessoa me ofereceu o prazer de comer tapioca numa esquina do meu bairro. Àquela senhora, que continua exatamente a mesma, talvez um pouco mais suave, o que não é o mais normal acontecer — em geral, o sofrimento da vida não dá folga e as pessoas endurecem. E agora, seu companheiro me ganhou com a espontaneidade de um gesto de avô. A foto no celular tão inesperadamente colorindo o meu dia com risos de bebê, de comemoração em família e esperança. Quiçá esperança para o mundo.
No espaço urbano em que sermos invisíveis é o natural, ainda podemos encontrar momentos de calor e de alegria. Ganhamos presença uns para os outros. Ganhamos até imagens de fotos. Sem nada de original ou transcendente, uma feira semanal pode ser transformada em um recanto especial, com tapioca, pedaços de bolo, amor que se faz família, surpresa, inclusão e contentamento.
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Comentários
Analu
Tapioca e gastronomia em geral são só prazer...rs...e ainda mais quando se tem este espaço. Bjsss
(Descobri outro lugar de tapioca bem pertinho de mim, assim disponível todos os dias. viche!)