O FAZEDOR >> Carla Dias
Sabe ferver água para chá acalmador de desespero, curar soluço com susto, apaziguar o fervor do destempero com gargalhadas sonoras, impossíveis de serem ignoradas, e por aí vai. Vem dessa versatilidade a série de apelidos que ganhou. De todos eles, apenas um aceita sem ressentimento: fazedor.
Quase todos do bairro o chamam assim, e há tanto tempo, que ele duvida que se lembrem de seu nome. Às vezes, até mesmo ele se esquece do dito. Sim, é fazedor daquilo que a maioria não sabe, não quer ou não consegue fazer. Matar barata entra na lista, mas difícil mesmo é quando o alvo é gente que chega com seus desafios pessoais.
Desanima-se quando na sua lista de afazeres entra o que não consegue entender uma pessoa não saber, não querer ou não conseguir fazer. Mas logo se apruma, porque compreende que cada um tem seu jeito de lidar com a vida. Então, só fica o rastro da tristeza provocada pelo mandante e o receptor do serviço.
Já foi a um encontro romântico, no lugar do par, para entregar recado de quebramento de amor estabelecido. Interpretou o amigo íntimo de um desconhecido durante o funeral de sua mãe, porque a pessoa não soube fazer amigos e não queria ser malvisto por isso. O menu de serviços tem sido eclético, surpreendente e cruel.
E ele faz tudo a contento. Claro que, depois do serviço concluído, os clientes escolhem evitá-lo, sempre que possível. Caso contrário, as desculpas para não ficar por perto dele são tão criativas, que muitas delas o entretêm.
É fato que só o enxergam quando precisam. Fato que ele escolheu aceitar como condição profissional. No entanto, antes de isso o tornar solitário, meio usado e abusado e moderadamente bem pago, o torna humano. Ao executar seu papel profissional, sente-se vivo como não consegue se sentir nas mãos da sua própria existência.
A tia o educou assim, fazedor do quase impossível para muitos. Ela o criou junto ao seu filho que era filho mesmo. Os três saíram pelo mundo prestando serviços, tapando buracos dos afetos e dos desafetos. Durante algum tempo, funcionou bem, até ele sentir a necessidade de que seus clientes o conhecessem melhor. Pior para os clientes, que passaram a amá-lo e odiá-lo. Melhor para ele, que passou a ser amado e odiado, vencendo o único desespero que o incomodava nas viagens com a tia e o primo, a indiferença.
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