FUNCIONÁRIO DO MÊS >> Albir José Inácio da Silva
A demissão surpreendeu Marcondes. Três vezes funcionário
do mês, ele se considerava um assessor para tudo e amigo do patrão. Com ele não
tinha tempo ruim, nem dia santo. Era dedicado a ponto de avalizar para a madame
as noitadas do Seu Filinto como viagem de trabalho.
Para os colegas era um puxa-saco e evitavam sua presença.
Só Seu Armando – um veterano bom de trabalho, mas sindicalista cheio das
reivindicações – conversava com Marcondes e o levou para uma reunião no
sindicato.
Marcondes entendeu quase nada dos discursos e
discordou do que entendeu: acreditava em meritocracia e que cada um tinha o seu
lugar no mundo. Patrão era patrão e empregado, empregado. Este não devia
cobiçar o lugar daquele. Não tinha a menor ideia do que seja mais-valia, mas
injustiça ele conhecia bem: horas extras não pagas e tapinha nas costas no
lugar de reajuste.
Assim resolveu acompanhar aquela comissão que lotou
o corredor no andar da diretoria. Ninguém foi recebido, mas todos foram
demitidos.
Havia mesmo baderneiros naquela comissão, mas não
ele. Só reivindicou os seus direitos. Não esperava ouvir aquilo de Seu Filinto:
- Sinto muito, Marcondes, é questão de justiça, não
posso poupá-lo e demitir os outros.
Ele concordou. Era justo!
Mas na cabeça de Marcondes havia mais que
doutrinação comunista. Passado o susto da demissão, uma palestra motivacional sobre
empreendedorismo o fez sonhar. Não ter mais patrão, ao contrário, virar ele
mesmo um patrão. Sim, ele podia!
Havia muitos revendedores na empresa, sem vínculo,
que pegavam mercadorias, pagavam o preço e revendiam. Sem burocracias, nem
contratos de trabalho. Seu Filinto confiava em Marcondes, só não podia admitir
insubordinações. Mas era bem vindo como autônomo colaborador.
Durante um mês a rotina extenuante alcançou toda a
família. Marcondes, mulher e filhos entravam pela madrugada embalando e
etiquetando os produtos que ele pela manhã tentava distribuir.
A mercadoria se acumulava pela casa, assim como as
dívidas. A família reclamava da comida ruim e da internet cortada. A mulher não
falava mais com ele.
Marcondes deixou o orgulho de lado e procurou Seu
Filinto outra vez, implorando o emprego de volta. O patrão foi afável como um
paizão:
- Não estou precisando não, mas em nome da nossa
amizade, vou recontratá-lo. Você sabe que o contrato agora mudou, né? Ficou
melhor, mais ágil, sem carteira assinada, férias, FGTS e décimo terceiro. É o
futuro chegando na pátria amada, Brasil - o contrato verde-amarelo.
E Seu Filinto foi explicando o que chamou de conquistas
de empregados e empregadores. Marcondes assinou ainda algumas promissórias
referentes às mercadorias da sua tentativa de empreender, que seriam
descontadas em dez meses.
Marcondes está feliz com o emprego de volta. E feliz
porque a lei não obriga mais o empregado a escolher entre o excesso de direitos
e o emprego.
E seu generoso patrão não terá mais dificuldades com
a folha de pagamentos nem sofrerá perseguição da Justiça do Trabalho.
No mês que vem, Marcondes será novamente o funcionário
do mês.
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