DEIXAR >> Clara Braga

Por vezes, me pego pensando verbos. Nada de profundas análises gramaticais pois, infelizmente, nunca fui boa nisso. Mas me surpreendo com a variedade de significados que uma mesma palavra pode ganhar dependendo do seu contexto. 

Nesses últimos dias, tornou-se quase impossível para mim não pensar no verbo deixar. O verbo deixar está comumente relacionado à sair de um lugar ou parar de fazer alguma coisa. Mas, pelo menos para mim em toda a minha ignorância, está ligado à coisas que você faz consciente de estar fazendo. 

Claro, você pode “deixar o celular em casa” sem querer, mas ainda assim era uma ação que dependia de você para acontecer, foi você que esqueceu.  

Estou dizendo tudo isso pois me incomodo demais com o uso do verbo deixar para se referir à pessoas que morreram. Principalmente quando usam para dizer que essa pessoa, a que morreu, deixou alguém. E quando dizem que essa pessoa deixou o filho, aí sim me dói a alma. Filho a gente deixa na casa da avó, na escola, na casa dos amigos e depois volta para buscar. Nenhuma mãe “deixaria” um filho se soubesse que não iria voltar. 

Recentemente, após a morte da cantora Marília Mendonça, vi uma frase que me tocou: toda mãe sabe que não pode morrer. E eu acrescento: toda mãe sofre quando sabe da morte de outra mãe. 

Foi então que comecei a buscar um verbo para substituir o “deixar”, mas não encontrei. Parece que mesmo uma língua rica e complexa como a nossa, não dá conta de tantos sentimentos. Da mesma forma que não existe uma palavra para definir uma mãe que enterra um filho, não temos um verbo que explique para um filho que sua mãe se foi, mesmo não querendo ir.

Comentários

Carla Dias disse…
O dia em que encontrar esse verbo, por favor, compartilhe conosco.
Uma bela reflexão sobre a morte e a vida de quem fica com a ausência definitiva que ela promove.
Sandra Modesto disse…
Esse verbo é inexplicável mesmo. Ótima a sua reflexão.
Zoraya Cesar disse…
Que reflexão mais interessante, Clara!!! Ainda dá para escrever muito em cima do q vc disse. Se o coração machucado e a alma amedrontada deixarem, claro.
Paulo Barguil disse…
Obrigado, Clara, por não nos deixar sem este ótimo texto. :-)

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