ISSO NÃO! >> Albir José da Silva
Quando a secretária entrou, Dr. Pedrinho entreviu Antero sentado na ponta do sofá, as mãos cruzadas no colo, os olhos no tapete. Nem parecia o homem que há pouco quebrou a expedição e atirou ferramentas nos colegas.
O agora presidente lembrou-se do Antero que lhe dava balas quando era criança e andava com seu pai para todos os lados. Tempos difíceis do começo da empresa, em que Antero fazia tudo, dirigia, carregava caixas, virava a noite e brigava pelo patrão. Em momentos mais difíceis, trabalhava só pela comida e dormia entre as caixas.
Quando a empresa cresceu, com dezenas de funcionários, Seu Pedro, pai do Dr. Pedrinho, nunca esqueceu o amigo das horas difíceis. Antero virou chefe do departamento de logística, mesmo sem grandes estudos, porque lhe sobrava dedicação, lealdade e amor ao trabalho.
Aos poucos foi se qualificando, frequentando cursos, mas de algumas coisas ele não gostava. Computador era uma delas. Insistia em fichas de controle e blocos de anotações nos bolsos.
Choviam reclamações que eram ignoradas pela diretoria. O chefe de vendas, por exemplo, sempre desesperado com o atraso nas entregas, dizia que se dessem duas tartarugas para o Antero tomar conta, uma fugia.
As alcunhas se sucediam, a tal ponto que algumas pessoas nem sabiam mais o seu nome. Era tartaruga, Barrichelo, novelo, bobina, moleza. Antero não se incomodava, ria e respondia com bom humor.
- A pressa é inimiga da perfeição!
Agora estava ali aquela cabeça branca a quem a empresa devia tanto e a quem, ele, Pedrinho, prometeu ao pai, no leito de morte, proteger. Uma sinuca. Só a duras penas conseguiu até hoje manter o velho no cargo contra a vontade dos irmãos e da tecnologia.
Meia hora antes, o chefe da segurança entrou na sala para explicar a confusão lá embaixo: o velho tinha surtado.
Os irmãos interromperam os pensamentos de Pedrinho.
- Até quando vamos aturar esse maluco? – perguntou Carlos, o irmão mais novo.
- Até quando você vai passar a mão na cabeça dele? – quis saber Ricardo, o irmão do meio.
- Calma, gente! Ainda não sabemos o que aconteceu lá.
- Sabemos, sim, o seu protegido destruiu patrimônio da empresa e agrediu funcionários.
- Vocês sabem que eu não posso dispensá-lo. Ele morre sem isso aqui.
Irritados com a condescendência do irmão, os dois saíram antes que Antero fosse chamado.
- Seu Antero, eu considero o senhor uma pessoa da família, um tio, porque o meu pai o considerava um irmão – começou, nervoso, o presidente.
- Muito obrigado por isso, Dr. Pedrinho.
- Mas o senhor me deixou numa situação difícil...
- Foi, sim, senhor.
- O senhor destruiu patrimônio, atirou ferramentas em outros funcionários. Alguns estão pensando até em fazer registro de ocorrência. E podia ter matado alguém se tivesse acertado um martelo na cabeça.
- Sim, senhor.
- O senhor é chefe, me diz o que faria com um funcionário que fizesse isso, quebrasse o local de trabalho e ameaçasse a integridade física dos colegas?
- Eu demitiria, senhor, por justa causa.
- Todo mundo aqui o chama por apelidos, Seu Antero, o senhor nunca se incomodou com isso. O que aconteceu desta vez?
- Todo homem tem seu limite, Dr. Pedrinho.
- E qual o seu limite?
Antero ficou em silêncio.
- Seu Antero, eu não vou demiti-lo. Não posso fazer isso ao senhor nem à memória do meu pai. Mas me diz uma coisa: de que o chamaram desta vez?
O ancião não moveu um músculo do rosto por muito tempo. Depois encarou o chefe:
- Pazuello!
Comentários
Limites que nos castram.
Cada pessoa com os seus.