UM DESVIO NO CAMINHO É OUTRO CAMINHO - 3a parte >> Zoraya Cesar
Margoleen abriu o alforje de Hosmaryn. Pela Lei, agora tudo lhe pertencia. Dentro, encontrou o conjunto de itens correspondentes à cura, proteção, ataque que toda Curandeira, ao viajar, levava consigo. Pomada cicatrizante, chá repelente, folhas cegantes foram as escolhas de Hosmaryn. Cura, proteção, ataque. Que de nada serviram contra o Craobh, entristeceu-se Margoleen.
Então ela chorou. Chorou muito, seus lamentos escorrendo pelas paredes, saindo pelas janelas, enchendo o ar da floresta. Quando silenciou, esvaziada, a vida ao redor penetrou pelas frestas: a dama da noite explodiu em aromas; sapos-voadores farfalhavam alegremente as folhas das árvores com seu coaxar abaritonado; mariposas-pirilampo batiam suas asas fosforescentes em volta das açucenas – algumas entraram na sala, sua luminosidade formando estranhas sombras no teto. Toda Curandeira entendia o ciclo da vida e morte. Um ciclo se completara. Chegara a hora de começar outro. Margoleen preparou-se para cumprir sua missão.
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Margoleen protegeu sua casa e partiu. Uma verdadeira Curandeira entendia os ciclos da vida. Voltaria quando sua missão estivesse terminada. |
Acordou pouco antes do amanhecer, os raios de sol lilases ainda sonolentos e preguiçosos atrás do véu diáfano da noite. Preparou seu alforge: antídoto para a mordida venenosa da cigarra carnívora e outros; unguento de cravo, para afastar ataques de piolhos de fogo (que comiam os cabelos humanos até a raiz, tão rapidamente que, se não socorrida em menos de três minutos, a vítima ficava sem o couro cabeludo e com enormes e purulentas feridas na cabeça). Cura. Proteção.
E o ataque?
Margoleen não gostava de lutar. Preferia fugir, se pudesse. Mas, sendo uma Curandeira do 9º Círculo, estava preparada. Poucos saíam impunes de uma refrega contra um ex-aluno da Escola de Curandeiria e Artes Mágicas dos Dez Círculos.
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Uma vez desperta, a Adaga da Noite Infinita brilhava tal qual uma ametista ao sol |
A lâmina estava apagada e baça, como morta. Margoleen sabia exatamente o que fazer. Era sua criação. Bafejou sobre ela e cantou:
Adaga da Noite Infinita, minha amiga, o mundo nos chama de volta.
Desperte, desperte, desperte.
A lâmina começou a brilhar suavemente e, em segundos, a refulgir qual uma ametista ao sol.
Compaixão aos que ousam nos enfrentar para que tenham morte rápida e indolor.
Combate às trevas do nosso coração, para que nunca nos comprazamos em matar.
Entoou oito vezes o encantamento que compusera a partir do lema da Escola: Compaixão e Combate.
A Adaga da Noite Infinita estava pronta para servir à sua dona.
Margoleen, Curandeira do 9º Círculo, estando preparada, não tergiversou.
Cercou a casa de feitiços de proteção, tornou invisíveis os caminhos que levariam até sua porta. Partiu.
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Tinha pressa de chegar ao abrigo da Escola, receber sua Ordem de Mestra, saber o que deveria fazer. Mas, se como dissera Hosmaryn, os Desestabilizadores estavam de volta, ela não poderia se arriscar a ficar exposta. Trilhava por atalhos e desvios durante a noite até as primeiras horas da manhã. Escondia-se para dormir durante a tarde, fugindo do calor e da plena luz do dia.
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A Curandeira aproveitava a luz da lua para encontrar caminhos fora da trilha comum |
Uma jornada tensa, na qual a solidão é uma boa companheira para os pensamentos, mas arriscada para o viajante. Havia os perigos próprios das estradas e florestas – lodos movediços, minhocas gangrenantes, as matas-labirintos, que confundiam a pessoa de tal maneira que ela se perdia por dias, até desmaiar de cansaço. O vento gélido não a deixava descansar inteiramente durante o dia e o ar abafado da noite a fazia suar abundantemente.
Semanas se passaram. Frio, chuva, calor, alimentação frugal, tudo, aos poucos, a enfraquecia. Mas Margoleen fora bem treinada, não era uma Curandeira do 9º Círculo à toa. (Embora ninguém fosse infalível...).
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Naquela madrugada, Margoleen sentia-se especialmente exausta. Trazidos pelo vento pesado, um delicioso aroma de mel e um sussurro melodioso, quase uma cantiga de ninar, entorpeciam seus sentidos.
Ia deitar ao relento mesmo, só um pouquinho... Tudo o que queria era dormir... dormir...
Antes que se rendesse ao sono, seu instinto a despertou. Aquela exaustão e a vontade irresistível de dormir não eram naturais, ela sabia.
Súbito, a luz da lua desnudou, à sua frente, a imagem etérica de um corpo com tentáculos coloridos e translúcidos, cujos movimentos tentavam prender Margoleen num transe hipnótico.
Grandes Deuses! Um monstro-tentáculo! Se eu não reagir agora estarei morta. MORTA!
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4ª e última parte em 6 de março
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2a parte - http://www.cronicadodia.com.br/2020/02/um-desvio-no-caminho-e-outro-caminho-2a.html
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Imagens
ametista
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autor: Gellinger (pixabay.com)
Casa da Curandeira
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