UMA CARTA PARA MEU FALECIDO AVÔ >> Clara Braga

Vô, 

sei que você se foi faz tempo, mas suas lembranças ficarão para sempre!

Nunca vou esquecer de você inventando melodias para encaixar fórmulas matemáticas e tentar me fazer decorar a tabuada através de músicas. Também não esqueço que eu sempre encrencava com seu jeito de escrever a letra F, não era como eu tinha aprendido na escola e, por isso, dizia que era errado.

Lembro das brincadeiras que tinham que ser sempre de um jeito que você não precisasse sair da sua poltrona e lembro também que no natal você sempre tinha pilhas para colocar nos brinquedos que a gente ganhava, afinal, ganhar um brinquedo e não poder brincar por causa de pilha não é justo com nenhuma criança.

Hoje te escrevo para falar exatamente dessa questão da pilha. Você acredita que, embora muitos brinquedos já funcionem com bateria, ainda existem brinquedos a pilha? Acredito que você tenha acompanhado essas evoluções tecnológicas e todas as outras coisas que acontecem aqui na terra aí do céu, não é mais sentado na sua velha poltrona com seu cigarro na mão, mas com certeza é de camarote. Justamente por isso, deve ter ficado um tanto decepcionado quando eu levei seu bisneto para o evento de natal desse último fim de semana e entreguei para o Papai Noel o presente que ele deveria ganhar.

Sim, o presente precisava de pilha para funcionar e eu não levei as pilhas.

Aí você deve estar pensando: não Clara, o pior não é nem você não ter levado pilhas, o pior é que hoje em dia eu já vi aqui do céu que as lojas de brinquedos te lembram que o produto que você está levando precisa de pilha e oferecem para colocar, e você disse que não precisava pois, como é uma ótima mãe, não deixava faltar pilhas em casa. 

Vô, você não imagina quantas vezes eu pude ouvir sua voz com clareza na minha cabeça dizendo a palavra pilha enquanto eu esperava o tal Papai Noel aparecer para entregar os brinquedos. Nos meus olhos já podia ver a cena do Theo abrindo o brinquedo e não dando a mínima já que o brinquedo não funcionava e tentando brincar com os brinquedos dos outros meninos. Me passei do posto de super mãe das pilhas para o de pior mãe do mundo, e confesso que cheguei a preferir que o Theo ficasse com medo do bom velhinho e não quisesse pegar o presente.

Bom, para minha sorte, alguém aí de cima - que eu acho inclusive que foi você - percebeu meu desespero e fez uma intervenção divina: fez o Theo capotar em um sono profundo antes do aparecimento do Papai Noel. Nós, pais esquecidos, fingimos estar muito tristes, pegamos o presente e levamos para casa, local protegido com várias pilhas a disposição. No dia seguinte, quando o Theo acordou, estávamos prontos para brincar o dia todo.

Como pôde ver vô, a história teve um final feliz, mas sei que nem sempre terei a sorte de ser assim. Por isso hoje te escrevo para renovar a promessa de que presente nenhum será dado sem pilha e, sempre que a moça da loja me perguntar se eu quero pilhas para acompanhar vou dizer um lindo SIM!

Comentários

Muito linda sua narrativa. Adorei! Parabéns Clarinha, boas lembranças transformam nossos dias. Beijos
Angela disse…
Adorei....não tenho duvidas que vocês tiveram ajuda..e a estorinha é muito linda , aliás depois dessa aposto que você vai andar com pilhas dentro das bolsas...hahaha. Beijocas !!!
Ana Braga disse…
Com certeza é de camarote.......eu não aguentei segurar todo choro que contém uma saudade líquida. Depois que parei de derramar lembrei muito feliz e orgulhosa: também fiz parte desta história.

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