AUTO DE RESISTÊNCIA >> Albir José Inácio da Silva
- Foi bom o senhor fazer contato,
meu Tenente. Já ia te ligar. Vasculhamos tudo. Tão limpos. Vou soltar e dizer
que foi denúncia falsa. Dou um susto só pra não irem fofocar na Corregedoria.
No sofá rasgado, um casal, meio
inclinado por causa das algemas, aguardava com os olhos no chão de cimento. Na
porta, o Sargento falou baixo e de costas para não ser ouvido pelos presos.
- Tá maluco, Lênis? – gritou o Tenente
Paiva, mostrando a cara no vídeo do zap. - Se a gente te mandou é porque tem o
que fazer. Presta atenção: isso aí já matou polícia! Gosta de fazer
crocodilagem com gente de bem! Tem que
passar os dois! Tem muita coisa envolvida, Lênis. E muita gente também!
Lênis não conseguiu falar e o Tenente
insistiu:
- Fica tranquilo, irmão. Agora a
gente tá por cima. O grande-pai tá do nosso lado. Acabou a perseguição!
- Não, Tenente, o senhor me
conhece. Sabe que eu não entro nisso. Não tenho nada contra quem entra, mas já
recusei antes e não vou entrar agora. Tô indo pra base preencher meu relatório.
- Calma, sargento! Não é assim,
não! Isso é coisa séria, meu irmão! Dá uma olhada aqui, ó!
Na tela do celular, Lênis vê
grama, árvores, um pequeno lago, galinhas, patos e cavalos. A imagem continua
girando até chegar na varanda com mesas, cadeiras churrasqueira e um freezer.
Lênis acompanha entediado, querendo terminar tudo e ir embora. Mas numa das
mesas está uma mulher jovem e um menino de uns cinco anos.
- Quê qué isso, Tenente? Quê qué
isso, Paiva? O que significa isso? – explodiu o sargento, já sem se preocupar
com a altura da voz.
- Calma, Lênis! Tá tudo bem! Debaixo
do banco da viatura tem uma caixa. Manda o soldado Plínio ir lá buscar. Tem
tudo que você precisa. Depois tira o grampo dos dois, senta o dedo e bota esse
oitão na mão do comédia. Liga pra perícia. Deixa esse pó aí pra eles acharem. Os
caras já estão avisados pra liberar vocês rapidamente. Aí vocês vêm pra cá.
Todos três. Depois você faz o relatório. Aqui tem cerveja gelada e carne na brasa. Além
da sua mulher lindinha e do seu filho lindinho.
Uma dúzia de homens e mulheres,
policiais, esposas e filhos já tinham chegado no sítio. A mulher de Lênis
estava mais relaxada, conversando, apesar da demora do marido.
- Ele saiu numa missão, mas já tá
chegando – tranquilizou o Tenente.
Depois que despachou o Sargento
pra diligência , Paiva foi à casa dele buscar a mulher e o filho. Disse a ela
que era uma festa surpresa pro Lênis e que ele iria direto pro sítio. Ia ficar
feliz em vê-los.
Elisa ficou meio tensa,
principalmente enquanto esperava sozinha com o filho e o tenente. Paiva se
afastava frequentemente para falar ao telefone e voltava sorridente, dizendo
que Lênis não ia demorar. Não sabia porque não gostava do Paiva. Mas era bobagem,
ele era de confiança, ela que tinha mania de cismar com as pessoas. E seu
marido sabia se proteger. Quantas vezes prometeu não se meter nessas furadas
que rolavam no quartel!
Outras pessoas começaram a chegar.
Até o Comandante veio com a mulher e já chegou perguntando pelo Lênis.
- Já tá chegando. Falei com ele
agora. – informou o Tenente Paiva.
Mais alguns minutos e a viatura do
Lênis entrou. O Cabo Souza ainda manobrava pra estacionar, quando Lênis desceu
do carro. O menino veio correndo e ele abaixou para abraçá-lo. Outros
cumprimentavam, acenavam e ele respondia com meio sorriso e monossílabos.
Abraçou a mulher e ela viu que ele estava trêmulo. Devia ser emoção pelas
homenagens.
O Comandante se levantou da mesa
e estendeu a mão:
- Parabéns, Lênis! Assim que eu gosto,
missão dada é missão cumprida.
O sargento Lênis prestou
continência antes de apertar a mão do Coronel.
Trouxeram copo, cerveja e prato. Lênis
virou a cerveja e encheu outro copo, mas não tocou na carne. O menino brincava
com outras crianças, Elisa conversava, agora sorridente.
O tenente chamou Lênis e ficou
esperando. Foram andando pra fora da varanda e Paiva colocou no bolso da farda
de Lênis um envelope que de tão gordo não cabia.
- Aqui um presentinho nosso. Você
mereceu.
- Não, Tenente, você sabe que eu
não gosto...
- Para de palhaçada, Lênis! Você
tá tão dentro disso quanto qualquer um de nós!
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