CEBOLAS >> Sergio Geia
Há mais mistérios entre a faca e a
cebola do que sonha a nossa vã filosofia. Mais que uma simples cachoeira
lacrimal, o prosaico ato do debulhe pode lhe proporcionar outras coisas, muitas
coisas, coisas que você decerto nunca imaginou.
Existe toda uma simbologia por detrás
da cebola. Ramakrishna, por exemplo, compara a estrutura folhada do bulbo à própria estrutura
do ego, que a
experiência espiritual debulha camada por camada até a vacuidade. A partir daí
nada mais constitui obstáculo ao espírito universal, à fusão com Brama. Os egípcios tinham
como grande curandeira quem? Quem? Você adivinha? A cebola. Os latinos, segundo
Plutarco, proibiam o uso
do bulbo, porque acreditavam que ele crescia quando a lua diminuía. Quanto ao
cheiro, provocava um sentimento de força vital. Virtudes afrodisíacas lhe são
igualmente atribuídas, tanto por sua composição química quanto por suas
sugestões imaginativas. Está tudo na internet.
A umbanda trabalha ritualisticamente a cebola em banhos e defumações. Ela
desagrega energias negativas de conotação sexual e afasta fluidos indesejados.
Muitas das cúpulas das igrejas ortodoxas têm o formato de elmo que lembra o
guerreiro, e a luta da igreja contra as forças do mal, ou a forma acebolada
(bulbo), simbolizando uma vela. Na antiguidade, na Festa da Primavera, os
orientais davam de presente ovos naturais embrulhados em cascas de cebola.
Neruda disse que cebolas são como rosas de água com escamas de cristal. Há
diversas simpatias em que a cebola não é uma mera coadjuvante. Você pode, por
exemplo, afastar os inimigos escrevendo, no dia da entrada da lua minguante, o
nome do sujeito num papel e enfiando o papel na parte superior da cebola, cobrindo
a cebola com papel alumínio e deixando no freezer até a próxima entrada da lua minguante.
Dizem até que shampoo de cebola contribui para o crescimento capilar. Eu, hein!
Ogros são como cebolas. Lembra não? Há mais do que se imagina nos ogros: cebolas.
Aí o burro diz: “Fede? Faz você chorar? Deixa ele no sol, ele fica marrom e
solta aquele cabelinho?” Nada disso. Camadas. Os ogros são como cebolas porque
têm camadas. E o ser humano também.
Trata-se de um recurso metafórico, evidente, mas a cebola, Shrek, o ser
humano, todos têm muito em comum. Nossa camada de cascas impede a manifestação
da essência, do eu verdadeiro, e isso é muito, muito ruim. A armadura nos faz
ser quem não somos. Debulhar o trigo como na música, ou a cebola, ou tirar
simplesmente a armadura do cavaleiro de Fisher, talvez não seja tão difícil assim
quanto tirar as nossas armaduras, simplesmente por causa de um pequeno detalhe:
não as vemos.
Escuto alguém dizer que a vida cria camadas. Elas se formam, pouco a pouco,
e a gente nem percebe. São nossas armaduras, nossos mecanismos de defesa. Elas
transformam o ser humano puro num cavaleiro de armadura. Ficamos cascudos. Quando
o cavaleiro quis tirar a armadura ele não conseguiu. Viu-se preso. Foi pedir
ajuda. Somos como o cavaleiro de Fisher. Cebolões, isso sim. Cebolões. Hoje, na
Quinta Vista Bella, quero ter um encontro com as minhas camadas. Quero
debulhá-las. Todas.
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