TRATO FEITO - PARTE II >> Zoraya Cesar
Paciência, eis a arma dos fortes, filosofava a loura Michelly. O plano que Jorge traçara para viver às custas do casal até o último centavo estava funcionando. Ela conseguira convencer o ex-marido de Heloísa que esta não era nenhuma santa e o traía há muito tempo, fora tudo um plano para ele sair de casa de mãos abanando.
Heloísa estava mal. O atual companheiro só gastava e o ex-marido a perseguia, acusava e ameaçava, exigindo a divisão de bens – dos bens dela, bem entendido. Foi nessa época que lhe chegou às mãos um envelope, sem identificação, contendo diversos documentos e uma carta. Nela, o anônimo missivista revelava que Jorge era estelionatário escorregadio e perigoso, que já tentara matar uma de suas vítimas. A polícia procurava há tempos as provas que Heloísa agora possuía, junto com a oportunidade de vingar todas as mulheres que o miserável deixara na pobreza ou aviltamento.
Nervosíssima, ela entrou em contato com o aposentado advogado criminalista que cuidara dos interesses de seu pai, e levou-lhe os documentos. O velho causídico leu, releu, fez alguns telefonemas aqui e ali, e deu o veredito, sucinto e categórico:
— Minha filha, as provas são incontestes, esse Jorge é bandido da pior espécie. E seu ex-marido é uma besta, pois a tal Michelly é cúmplice.
Heloísa não acreditava na sua sorte madrasta. Casara com um banana, um frouxo, aproveitador, que na primeira oportunidade a largara por uma perua loura e agora tentava lhe extorquir dinheiro. Depois se amasiara com um estelionatário com tendências homicidas. Chorando muito, disse, resoluta:
— Quero me livrar dos dois. Definitivamente e para sempre — reiterou.
— Isso tem um preço alto, você sabe.
— Eu pago. Hoje, agora, o preço que for, quero esses dois fora da minha vida — foi uma nova Heloísa, firme, vingativa e artimanhosa a que saiu daquela conversa.
Jorge, malandro velho de muitos carnavais, nada percebeu. Ou porque estivesse mesmo ficando velho, ou porque ficara por demais crente na própria esperteza.
Pouco tempo depois a pacata vida do condomínio — já acostumado à estranha troca de casais — foi agitada pela chegada de dois policiais, que levaram Jorge preso, acusado de estelionato e tentativa de homicídio. Curioso é que ele nem chegou a esquentar na delegacia. Foi logo morto por um dos detentos, sem motivo aparente...
Em mais duas semanas, outro choque. Levada por uma denúncia anônima, a polícia vasculhou o escritório do ex-marido de Heloísa e lá encontrou sobejas provas de que ele não só burlava o Fisco e enganava o sócio, como também pretendia matá-lo e a Heloísa. Foi preso berrando ser inocente. Talvez até fosse, mas sua vida estava acabada (literalmente acabada, dali a alguns meses morreria atropelado por um carro não identificado).
Heloísa se vira livre dos dois. Definitivamente. Para sempre. O advogado disse esperar que ela não se arrependesse do preço que pagou.
Não vou me arrepender, sorriu Heloísa. Definitivamente. Nunca.
E agora pergunto eu, perguntam vocês: acabou assim? Não. Essa foi uma equação deveras complexa, cujas variáveis — seres humanos — são por demais surpreendentes.
O que aconteceu, afinal? Aconteceu que há muitos anos, a ainda jovem Michelly caíra na lábia de Jorge e deu um golpe na firma na qual trabalhava. Os patrões não a denunciaram, mas a notícia se espalhou na pequena cidade. Sem ter saída e, ainda apaixonada, ela partiu com Jorge, ajudando-o em seus golpes. Só no dia em que o pegou com outra percebeu ser apenas um títere nas mãos dele, nunca o seu amor, como acreditara. Ameaçou ir à polícia, mas ele lhe bateu e apertou seu pescoço até quase o sufocamento. Nesse dia, Michelly fez um trato consigo mesma: iria se vingar e sumir, sem deixar rastros.
E, para ela, trato feito era trato cumprido.
Quando surgiu a oportunidade, agarrou-a. Mandou as provas incriminadoras para Heloísa e esperou. A paciência é a arma dos fortes, repetia, e, realmente, não perdeu por esperar. Quando Jorge morreu na delegacia, entendeu que algo estranho acontecera e que chegara a hora de partir, antes que a polícia viesse atrás dela. Exatamente no momento em que fazia as malas, a campainha tocou. Ela estremeceu. A polícia? Quem?
Heloísa. Languidamente parada à soleira, cigarro nas mãos, ar petulante, meio sorriso.
— Eu sei quem mandou o envelope — sussurrou. — Mandei examinar as impressões digitais.
Michelly empalideceu. Estava perdida. Iria para a cadeia por tanto tempo que, ao sair, não teria mais vida para viver.
— Não vim aqui pra te ferrar, vim fazer um trato. Se aceitar, a polícia nunca vai te pegar e você ganha um salário. Se não, pode se danar que não tô nem aí.
Michelly esperou. A paciência é a arma dos fortes.
Heloísa tragou mais profundamente o cigarro.
— Quero aprender a ser golpista. Não sei escolher homem e vida de dondoca é muito chata. Vou me divertir e ficar mais rica. Aceita?
Michelly sorriu. Estendeu a mão. Trato feito é trato cumprido.
Comentários
E viva as mulheres, que de bobas não têm nada!
Cecilia