COSPLAY >> André Ferrer
Vai à ONU e descarrega
o “mimimi” escarlate nos desumanos ouvidos capitalistas enquanto lá fora, em
Manhattan, o apartamento de 22 mil Reais a diária aguarda. Em Paris, comunistas
brasileiros fazem compras e compõem sambas-protesto dedicados a um homem de
bem, herói injustiçado que, nos Anos de Chumbo, derramou o próprio sangue na
luta contra o imperialismo. Ó Notre-Dame
dos Mensaleiros livrai-o! E também todo o resto de nós deste cinismo: Pedro
Pedreiro exilado em plena farra turística às vistas do Sena. É claro, na margem
esquerda.
No discurso dessa tropa
vermelha, o Capital funciona mais ou menos como o demônio na boca dos televangelistas.
Nenhuma coerência se sustenta fora do velho jogo do maniqueísmo. Daí a minha
resistente desconfiança de que vivemos uma época infantil. No máximo,
pré-adolescente.
Para crianças, a
coerência não admite nuances. Ou você é bom ou está contra o herói. A criança
inicia o reconhecimento das tonalidades cinzentas, entre o preto e o branco, na
pré-adolescência. O caminho até a maturidade, onde, afinal, a paleta de cores
revelar-se-á complexa e implacável, é árduo e cheio de crises. Há uma forte
tendência à recusa. O mundinho simples e maniqueísta, perfeitamente dividido
entre Deus e o Diabo, Tio San e Guevara, é muito melhor. E não tenho dúvidas de
que a maioria das pessoas prefere a facilidade ainda que esta signifique o
confinamento do espírito.
Por outro lado, é muito
fácil dominar e lucrar mediante estas duas características: (1) ter o
conhecimento de que as pessoas adoram o branco e abominam o preto, sempre
incapazes de enxergar os infinitos tons de cinza, e (2) não ter caráter algum. Ora,
qualquer cidadão que inventar um produto esotérico-marxista e aplicar uma
estratégia de marketing voltada para os crédulo-dependentes do Bolsa Família
ficará poderoso e rico neste país. Aliás, o cenário em toda a América Latina é
favorável aos políticos inescrupulosos e aos falsos profetas. Reproduz, em
preto e branco, aquela imagem satírica do Mao
Tsé Tung na Disney, agora, no entanto,
em proporções continentais. Engana-se quem ainda só pensa na Venezuela. Tem “mané” fazendo cosplay de bolchevique do Panamá à Terra do Fogo.
Nada contra os cosplayers. Trata-se de um fenômeno
natural. Marca de uma época na qual a protelação da seriedade avança tanto na
vida das pessoas, que deixa espaço livre para a infância e a adolescência
intermináveis.
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