POR FAVOR, CUIDE >> Fernanda Pinho
Ganhei da minha amiga Samara um livro chamado “Por favor,
cuide da mamãe”, da escritora coreana Kyung-Soon Shin. O livro conta a história
de uma senhora, mãe de cinco filhos adultos, que se perde do marido na estação
de trem de Seul e desaparece. As pouco mais de duzentas páginas narram a busca
dessa família por essa mulher. A trajetória é angustiante não apenas pelo medo
inerente à situação mas, principalmente, pela dor de cada personagem que
precisou sofrer da ausência dessa mulher para se dar conta da presença dela.
Angustia porque a gente se identifica. Muitas e muitas vezes colocamos nossas
relações no modo automático e não paramos para de fato perceber o outro. Mesmo
com aqueles que mais amamos. Aliás, principalmente com aqueles que mais amamos.
Numa das passagens do livro, uma das filhas conta como a
relação com mãe tornou-se diferente depois que ela saiu de casa. Como foi
estranho, de repente, se tornar uma visita na casa onde nasceu e foi criada.
Fiquei particularmente apegada a essa passagem porque é um fato recente na
minha vida. Há um ano e três meses saí de casa para vir morar no Chile e,
agora, quando vou ao Brasil eu sou visita na minha própria casa. Na teoria
ainda é a minha casa. Na prática, algumas coisas mudaram, sim. Existe uma
faxina especial que precede minha chegada. Nos dias em que estou lá, minha
comidas preferidas fazem parte do cardápio. Às vezes tem até uma roupa de cama
nova e temática esperando por mim e meu marido. Isso, da parte deles. Da minha
parte também mudou alguma coisa. As roupas que eu uso estão na mala, e não no
meu bom e velho guarda-roupas. O apartamento que antes eu achava pequeno demais
para a família, ficou grande agora que eu moro em um muito menor. E o cheiro,
meu Deus, o cheiro daquela casa é o melhor do mundo.
Esses dias peguei para usar uma camisa que foi lavada pelo
última vez pela minha mãe, há duas semanas quando eu estava lá, em Belo
Horizonte. E quando peguei a camisa senti aquele cheiro. O cheiro da casa dos
meus pais. O louco disso é que, enquanto eu morei lá, eu nunca soube que a casa
tinha um cheiro. Eu nunca senti esse cheiro. Porque, claro, eu estava viciada.
Eu estava lá todos os dias, preocupada em viver minha vida, não parava para
sentir nada. Nunca parei para prestar a atenção no cheiro da minha casa. E é por isso que esse livro me tocou. Não só
pelo cheiro, claro, mas pelas tantas outras coisas que deixamos desbotar por
não dar a devida atenção.
Os gestos que a gente ignora. A dor do outro que a gente
prefere fingir que não vê. As palavras que entram num ouvido e sai no outro.
Sabe, por que a mãe da gente sempre nos manda comer e levar uma blusa de frio?
Será que é mesmo só chatice? Será que é só vontade de sempre dizer a mesma
coisa? Que sentimentos e motivações estão por trás desse conselho chato? E por
que o amigo diz que estamos sumidos? Por que a avó reclama que a gente não
aparece? Por que a esposa insiste em te lembrar alguma data especial? São
tantas coisas que a gente deixa passar batido. Tanto pedido de socorro que a
gente deixa ser atropelado pela rotina. Tanto sentimento que vira só mais um
cheiro no ar viciado. Ainda bem que
existem os livros para nos enviar alguns lembretes de vez em quando. Este último,
me deixou com uma vontade danada de ficar mais atenta.
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