CIDADÃO ROSWELL >> André Ferrer
As
teorias conspiratórias jamais estiveram tão domesticadas. Em 1947, um caso como
o de Roswell contava com poucos meios capazes de desmistificá-lo. Nada
analítica, a grande mídia favorecia o obscurantismo e tornava tudo ainda mais
selvagem do que realmente era. Não que as coisas tenham mudado muito. A mídia
continua sensacionalista e gananciosa. O que mudou de lá para cá foi o modo
como a notícia chega ao cidadão. Este pode domesticar a maioria das ameaças que
se apresentam.
Basta
imaginar o processo de domesticação e domínio a que, ao longo dos tempos, o homem
tem submetido coisas e viventes ao seu redor. Para o nosso bem-estar,
desenvolvemos artifícios capazes de reafirmar diariamente o nosso domínio sobre
as potenciais ameaças. E a Internet, uma vez mais, veio para facilitar o
trabalho. No YouTube e no Facebook - principalmente nas caixas de diálogo
destinadas aos comentários -, a reiteração do domínio em relação a determinados
conteúdos ameaçadores aparece na forma de ironia ou sarcasmo. Em contrapartida,
um sem-número de “deus-me-livres” resiste como que advertindo sobre o perigo de
“abaixar a guarda”: "sim, o animal é doméstico, mas ainda é um animal, ele
tem a imprevisibilidade dos animais". É, portanto, esse amálgama de
posturas, ora irônico ora temente, que me permite, nesta crônica, fazer a
seguinte afirmação a respeito da sociedade atual diante das ameaçadoras teorias
conspiratórias: ao longo da História, elas jamais estiveram tão domesticadas.
Há
exatos 65 anos, a grande mídia norte-americana continha basicamente os jornais,
as revistas e as emissoras de rádio (a TV, mesmo nos EUA, engatinhava). Entre o cidadão e a verdade dos fatos, havia
muitos interesses e as distorções próprias da imaginação atormentada pela
cobertura da última guerra. Desde a rendição alemã, o mundo se dividia em dois
blocos: a Guerra Fria estava nos seus primeiros capítulos naquele dia 08 de
julho de 1947.
Hoje,
com o planeta fragmentado e o rosto do agressor completamente desfocado, aquele
cenário até parece brincadeira. Fico imaginando um "11 de Setembro"
em plenos anos de 1950 ou 60. Ora, com os sistemas de comunicação precários da
época, um russo ou um americano apertaria o botão do Holocausto Nuclear antes
que a CIA ou o FBI descobrisse a verdade sobre os atentados. No mínimo, vai,
teríamos pânico e gente cometendo suicídio em massa nos hemisfério norte ou
aonde os tabloides e as ondas de rádio pudessem chegar.
Exagero
da minha parte? Ainda em 1938, um jovem radialista chamado Orson Welles
provocou algo bem parecido nos EUA. Welles adaptou um romance de ficção
científica, A Guerra dos Mundos de H. G. Wells, para o rádio. Um detalhe: a
novela radiofônica mais parecia um noticiário. Assim, desinformados e crédulos de
todo o país viveram momentos de terror. Afinal de contas, a Terra estava sendo
invadida por um exército alienígena!
Informação:
eis a chave do poder. O próprio Welles investigou e denunciou o uso abusivo
dessa "chave" no filme "Cidadão Kane - O mundo a seus pés"
de 1941. Nesta obra-prima, é evidente que se controla o medo próprio e o medo
alheio através da informação. Todo sistema de controle, em qualquer nível,
dependerá do quanto as pessoas estejam assenhoradas de determinados
conhecimentos. Hoje em dia, isso é claro. Inadmissível, com tamanha clareza,
que ainda haja subserviência e degradação. Diferentemente do que acontecia na
metade do Século XX, 65 anos atrás, o cidadão se encontra mais livre e conta
com informações capazes de fundamentar pontos de vista individuais. Atualmente,
as pessoas têm poder de argumentação. Elas
podem enfrentar os Kane da mídia desde que produzam suas opiniões de forma
racional. Elas podem domesticar quaisquer ameaças, livres, a despeito de
tutores, de modo independente.
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