SOBRE FARÓIS, JARDINS E JANELAS EMPERRADAS >> André Ferrer
“Meia-noite
em Paris” no feriadão. Assisti ao filme de Woody Allen do jeito que eu gosto: nem
muito cedo nem muito tarde, ou seja, entre a euforia do lançamento e a exibição
na TV aberta.
Frescura?
Esquisitice? Ora, tenho as minhas razões, que não explicarei aqui. Uma crônica
é muito curta. Deve, o cronista, confiar na capacidade do leitor de reconhecer
e decifrar o significado de pressupostos e subentendidos.
Aliás,
Allen é useiro e vezeiro desse tipo de pacto de confiança. Desde os anos de
1970, ele produz comédias que, de tão inteligentes, algumas pessoas consideram cheias
de um hermetismo irritante. Conheci um sujeito assim. Odiava tanto os filmes de
Allen quanto mantinha distância dos livros. Um coitado aquele meu “amigo”. Por
quê?! Ora, quem não lê enxerga o mundo através de uma janela emperrada.
Uma
fresta, não há dúvida, é um espaço muito exíguo para que se compreenda Woody
Allen. O autor abusa dos diálogos e das referências pseudopsicanalíticas e,
assim, analisa a ascensão e a queda do império yupie bem como o seu impacto no
pensamento nova-iorquino. Seus melhores filmes, a meu ver, são aqueles que a
autobiografia e a cultura judaica se engalfinham sob a Ponte do Brooklyn, seja
nos anos de 1970, 1980 ou 1920. Allen, sobretudo, é um cineasta que usa a
História para fazer graça e por à mostra os excrementos individuais e sociais.
Muito natural que inteligências rasas acusem-no de hermetismo.
Recentemente,
contudo, Allen começou a plantar um jardim ao redor do seu imponente Farol de
Alexandria. Um jardim para contentar observadores limitados.
A
partir de “Match Point”, o autor-diretor
emprega uma contenção, digamos, hemingwayana, em suas narrativas. Pressupostos
e subentendidos, agora, olham de dentro para dentro e isto confere uma
guarnição explicativa ao vertiginoso farol cultural de Allen. O filme que eu
assisti na Semana Santa é uma homenagem a este modo, digamos, um pouco mais didático
de contar histórias.
“Meia-noite
em Paris” é conciso e verdadeiro. Seus devaneios à “De volta para o futuro” se
resolvem perfeitamente no final: ora, são devaneios que a nostalgia criou, cria
e sempre criará nas mentes das pessoas sensíveis que viveram, vivem e viverão neste
mundo. Na única cena descaradamente cômica, descobrimos que o sonho de um
detetive parisiense pode muito bem ser uma vida na corte do Rei Luís XV. Há
muita poesia e verdade neste filme maduro de Allen, que é menos a respeito da
Paris dos loucos anos 20, com Zelda, Scott e ragtime, e muito - muito mais -,
um filme sobre as ilusões que os humanos temos em relação à implacabilidade do
tempo.
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