ESCONDIDOS ENTRE MUROS >> Sílvia Tibo
A menina acordou sobressaltada naquela madrugada. O coração palpitava, as pernas tremiam e os olhos, estatelados, pareciam ainda estar imersos no pesadelo que acabara de ter, em que seu prédio havia sido invadido por bandidos armados, que renderam o porteiro e também ela dentro da guarita, sob a mira de uma pistola.
Ao abrir os olhos,
lembrou-se de que havia adormecido logo após assistir a uma reportagem sobre o
aumento dos índices de violência na região onde morava. Ainda adolescente, não
costumava se interessar por programas dessa natureza, mas, naquela noite, seus
pais fizeram questão de que ela ficasse por dentro das notícias, para que tivesse
noção do perigo que os rondava e, assim, pudesse se proteger da violência.
Apesar da pouca idade, a
menina tinha perfeita noção da gravidade dos acontecimentos narrados nos
jornais dos últimos dias. Ao ouvir o repórter comparando a situação de sua
cidade à da Faixa de Gaza, entendia bem o perigo que ela, sua família e seus
vizinhos corriam. E sabia que precisava se proteger de tudo aquilo, tal como
seus pais diziam, mas nem eles eram capazes de apontar meios realmente eficazes
para isso.
Naquela madrugada, alguns
minutos depois de despertar, a menina suspirou aliviada, tão logo se certificou
de que a confusão na guarita de seu prédio não havia passado de um pesadelo. Mas
o alívio não durou grande coisa. Em pouco tempo, sentiu seus olhos marejarem
novamente, entristecidos por saberem que eram bem consideráveis as chances de
que, no exato momento em que ela respirava (tranquilizada por nada lhe ter
acontecido), algumas famílias, em lares vizinhos, estivessem fazendo a
constatação inversa.
E a menina, então,
começou a escrever, assim que seus pensamentos se organizaram, na tentativa de
externar sua tristeza e de expressar sua indignação e perplexidade diante daqueles
acontecimentos. E chorou, também, entre um rabisco e outro. Chorou por pessoas que
sequer conhecia, mas com as quais se solidarizava.
Lembrou-se de uma
passagem do Pequeno Príncipe, cuja leitura havia concluído há poucos dias. “As
pessoas são solitárias porque constroem muros ao invés de pontes”, dizia o
personagem.
Mas como construir
pontes (ao invés de muros) em meio à realidade que nos bombardeia com cenas
diárias de pais e mães de família assassinados friamente, ao final de um dia de
trabalho?
Enquanto isso, drogas das
mais variadas espécies são consumidas livremente, em plena luz do dia, às
margens de avenidas, quase à porta de nossas casas, porque a mesma lei que pune
a sua posse para uso pessoal impede veementemente a internação compulsória dos consumidores
maiores de dezoito anos.
Sim, os consumidores.
Aqueles que, com seu vício, financiam o crime organizado e, sob tal pretexto,
dispõem-se a dilacerar famílias inocentes. As mesmas que, em pouco tempo, serão
esquecidas entre os números divulgados pelo governo. O governo que pouco ou
nada faz no sentido de assisti-las e de evitar seu desmoronamento.
Quando as pontes
parecem não nos conduzir a lugar algum, perdidos que estamos em meio à
violência que nos assola cotidianamente, não nos restam mesmo grandes
alternativas além da construção de nossos próprios muros, atrás dos quais somos
obrigados a nos refugiar, temerosos e apreensivos por não sabermos o que nos
espera.
Em momentos tais, é
triste constatar que já não nos preocupa tanto o mundo que deixaremos para
nossos filhos. Na verdade, angustia-nos muito mais a necessidade de encontrar
meios de afastá-los desse mundo.
Comentários
Beijos, Zoraya.
Obrigada!
Parabéns por mais um texto Sil !
Forte abraço.
Ká
Que bom receber sua "visita"...
Beijinhos... ;o)
Pai
Grande abraço.