A FICÇÃO DO PASSADO >> Mariana Scherma
Pra não ficar refém das reprises dos canais a cabo nem dos
especiais de Natal da tevê aberta, todo fim de ano eu me cerco de filmes – e da
forma antiga, diga-se, indo até a locadora. E neste ano, Tarde Demais Para Esquecer estava esperando por mim num canto
empoeirado da loja. Foi meu milagrezinho de Natal: de todos os romances
clássicos, era esse que faltava ganhar um OK na minha lista de assistidos. Não
falta mais.
Eu amo os filmes antigos, principalmente os romances, por
vários motivos: a classe dos personagens, a trilha sonora imponente, a educação
no jeito de tratar as pessoas, os vestidos que nunca saem de moda das
protagonistas, a falta de malícia (ou seria a malícia discreta?) nos diálogos,
o colorido desbotado das cenas... A verdade é que hoje todos esses motivos
fazem os clássicos do cinema virarem a maior ficção improvável. Em dias de
Facebook, Instagram, Twitter e 3G, um roteiro como o de Tarde Demais Para Esquecer jamais seria escrito dessa forma.
Explico. Pra quem nunca viu, o filme conta a história de Nickie
Ferrante (Cary Grant), um playboy que não trabalha e ama a vida boa, e Terry
McKay (Deborah Kerr), uma ex-cantora que também ama a vida boa (and the pink champagne). Os dois se
conhecem num navio e se apaixonam, mas, como são comprometidos, não podem
escancarar o amor com medo de que a noiva de Nickie e o namorado de Terry descubram.
O ano era 1957 e, nessa época, o futuro casal poderia passar horas conversando
no navio tranquilamente (se não fosse a consciência pesada que dela). Quem
estivesse a bordo até poderia comentar, maaas... cadê provas? Ainda mais quando
Terry joga o filme da máquina do fotógrafo chatão (ou será insistente?) em alto
mar. Perdeu, paparazzo. Em 2012-quase-2013, a primeira conversa dos dois iria direto
para o YouTube, com fotos reveladoras no Instagram.
Quando se despedem, eles combinam que vão trabalhar pra
conseguir se sustentar sozinhos e, em seis meses, se o sentimento continuar o
mesmo, eles se encontram no topo do Empire State Building. Imagine se hoje haveria
esse mistério. Rá! A Terry de 2012 já teria criado um site com todos os seus
vídeos pra que alguma gravadora assinasse com ela. No perfil do Facebook, mais
de dez atualizações diárias com suas novas músicas. E, claro, um blog falando
de cada dia sem Nickie. Ou um livro chamado 50 Tons de Um Oceano, os contos
inspirados em Nickie.
Enquanto isso, o Nickie da atualidade continuaria pintando
seus quadros, mas, diferente do personagem de 1957, ele assinaria as obras sem
medo nenhum de aparecer. E se nada disso funcionasse, sempre é tempo de
escrever para Luciano Huck ou Ana Maria Braga, eles têm os contatos pra
patrocinar um amor. E pagar a festa de casamento.
E (perdão pelo spoiler) na cena final, quando Terry e Nickie
vão ao Empire State, ela provavelmente já teria colocado no Insta sua foto com
o look do encontro e, depois, mais uma dentro de um táxi com a legenda: indo encontrar meu amor, #agoravai!
Nickie já estaria lá esperando, com uma equipe de tevê “escondida” pra gravar
tudo e fazer um documentário. Ou uma matéria para o Caldeirão do Huck. Afinal,
poucas coisas podem nos surpreender atualmente.
E só pra deixar claro: não, eu não tenho birra das redes sociais e das
ferramentas que mostram passo a passo do dia de uma pessoa. Tudo isso é válido
quando a notícia é fato mesmo. A verdade é que, nas vésperas do próximo ano,
esse foi o melhor jeito de eu desejar a todos sentimentos e momentos incríveis,
desses que nunca poderão ser resumidos a 140 caracteres. Ou desses que fazem a gente esquecer tudo ao redor, inclusive de postar nas redes, porque, oras, o momento já foi gravado com os olhos e arquivado na memória com gigabytes ilimitados.
Comentários
PARABÉNS pelo texto!
feliz 2013