A LAGOSTA É CAPAZ DE SENTIR DOR? >>> Nádia Coldebella
Uma vez, quando criança, fui com meus pais a um restaurante que servia frutos do mar. Eu era pequena, então achava que fruto do mar era uma espécie de maçã marinha ou uma pera aquática. Enquanto esperávamos, notei que a cozinha era separada da área de servir por um vidro. Podia ver toda a movimentação e levei um susto quando vi um homem de avental branco erguer uma lagosta viva:

- Quieta menina! - teria dito minha mãe, sibilando entre dentes, alheia ao meu sofrimento - Tá todo mundo olhando!
Hoje em dia, acho que minha fértil imaginação infantil deu cor a imagem - pegador gigante de macarrão? De qualquer forma, o bicho, pobre infeliz, ainda estava vivo quando foi parar na panela. E a imagem dele ficou impressa na minha mente.
Em dois mil e treze, foi iniciada uma discussão acerca da ética em se ferver a lagosta viva. Biólogos, cozinheiros e comilões de todo mundo perguntavam-se: a lagosta é capaz de sentir dor? A resposta, caro leitor, é sim.
Lagostas e outros crustáceos sentem dor quando são atirados em água fervente. Também sentem dor quando, ainda vivos, têm parte de seus corpos arrancados para compor o prato de um cliente que os escolhe depois de acurado apontamento do dedo indicador. Algumas pesquisas científicas comprovam essa conclusão - é só dar uma googladinha que você verá por si mesmo. Além disso, testemunhas relatam a luta das lagostas para se agarrar as bordas da panela quando são jogadas na água fervente. É uma morte cheia de dor e sofrimento.
A singela conclusão que tirei desse fenômeno é que, diante do choque, as reações são intensas. E é comum que, diante da intensidade inoportuna, alguém te obrigue a ficar quieto.
Alguns anos depois de presenciar o assassinato da lagosta, outro aprendizado chegou ao meu campo de experiência. Eu fazia faculdade de Psicologia e, naquele tempo, era comum que nossos professores de Fisiologia usassem rãs e sapos para explicar alguns fenômenos neurológicos comuns em humanos. Usar rãs e sapos podia significar uma série de experiências cujos resultados não eram nada bons para as amarguradas cobaias.

- Professora, pelo amor de Deus, desliga o fogo! Não me faça desistir da faculdade! - eu teria dito, aos prantos.
A professora, que era um ser muito decente, revirou os olhos e desligou o fogo antes da água esquentar demais. A rãzinha foi deixada lá, viva e muito relaxada, curtindo o calorzinho. Outra rã foi colocada na mesma panela, mas imediatamente saltou para fora, mostrando-se extremamente desconfortável com aquela temperatura. Além de causar confusão na aula, ela também sentiu dor.
O que aconteceu com a rãzinha é um fenômeno estudado na Psicologia, meio esquecido nos dias de hoje, chamado habituação. A rãzinha foi se acostumando ao aumento lento e gradativo da temperatura e ia acabar cozida sem perceber o fogo que a tinha atingido. Imagino que, se a segunda rã tivesse sido forçada a ficar na panela, com algum esforço também teria acostumado.
Concluí disso que as pessoas podem se habituar a qualquer coisa.
- Oba! Férias! Vamos esticar as pernas!
Caso não se acostumem, basta dar uma forçadinha.
- Oba! Férias! Vamos esticar as pernas!
Caso não se acostumem, basta dar uma forçadinha.
O que acontece com a rã é muito diferente do que acontece com a lagosta. Se eu fosse uma lagosta, imagino que, ao ter contato com a água fervente, todo meu corpo iria gritar. Meus receptores de dor doeriam duas vezes por vez e, com certeza, eu estaria desesperada, totalmente consciente do meu estado e morreria em extrema agonia.
- Piedade!
Talvez em algum momento a dor cessasse, mais por bondade divina do que por estratégia dos meus neurônios.
- Piedade!
Talvez em algum momento a dor cessasse, mais por bondade divina do que por estratégia dos meus neurônios.
Agora, se eu fosse a rã, estaria boiando naquela panela, relaxando toda a musculatura contraída dos meus ombros. Talvez eu convidasse outras rãs para dar uma esticadinha por ali. Quando a morte chegasse, eu provavelmente não sentiria dor.
-Uh! Que gostoso!
Estaria tão imersa em meus devaneios, que, quando me desse conta, já teria me desfeito em mil partes.
-Uh! Que gostoso!
Estaria tão imersa em meus devaneios, que, quando me desse conta, já teria me desfeito em mil partes.
Disso tudo, adquiri mais um aprendizado: enquanto a lagosta morre cheia de medo, a rã morre cheia de certezas.
Isso me faz pensar que o ser humano é meio lagosta, meio rã. Apesar de espernear, pode se habituar a qualquer coisa. Prova disso é sua insistência em fechar os olhos, cerrar os ouvidos e embrutecer a razão.
Isso me faz pensar que o ser humano é meio lagosta, meio rã. Apesar de espernear, pode se habituar a qualquer coisa. Prova disso é sua insistência em fechar os olhos, cerrar os ouvidos e embrutecer a razão.
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