QUEM FOI TEÓCRITO? >> Sergio Geia
Pra tirar um dez, culto leitor. Faço-lhe apenas
esta pergunta pra tirar um dez. Na verdade, é dez ou zero, mas uma pergunta,
apenas uma, e nenhuma outra mais: afinal de contas, quem foi Teócrito?
Ah, amigo, não fique vermelho, não se envergonhe
por não saber, e esqueça essa bobagem de avaliação pedagógica numa simples
crônica. Acontece que essa foi a única questão de uma prova oral de Direito
elaborada pelo latinista Geraldo de Ulhoa Cintra, ao meu amigo Téo, isso lá
pelo ano de 1962.
Téo precisava de uma nota alta, um sete ou oito e
o professor Geraldo de Ulhoa Cintra, um escritor muito famoso e respeitado,
especialista em civilização greco-romana, autor de grandes obras como De Actione Sacramento, Verbetes
Franceses, Dicionário Latino-Português, Textos Arcaicos, O Conceito Perene de
Filologia, dentre outros, encarou o novato, e, para sua surpresa e de todos,
disparou sem o mínimo rodeio: “O senhor tem hoje comigo uma responsabilidade
muito grande. Pois vou lhe fazer uma única pergunta e o senhor vai tirar um
dez; é dez ou zero”. O dedicado aluno não esperava por essa, coçou a cabeça e
concluiu que se metera numa grande enrascada. “Quem foi Teócrito?”. Foi então
que Téo respondeu sem pestanejar: “Então o senhor pode anotar aí um dez!”.
Ah, grande Teócrito, o escolhido do Senhor! Teócrito foi um poeta, o poeta grego de maior
destaque no período helenístico, tendo exercido forte influência sobre a obra
de Virgílio. Escreveu pequenos poemas, os chamados Idílios, e epigramas curtos, de temática bucólica, pastoral ou
mitológica, alguns ainda bem conservados em bibliotecas como o “Ambrosianus
222” que está na Biblioteca Ambrosiana de Milão, e o “Vaticanus 915”, na
Biblioteca do Vaticano.
Eis um pequeno trecho do Idílio “A Seresta”, encontrado na tese desenvolvida por Érico
Nogueira, sob a orientação do professor João Angelo Oliva Neto, e apresentada
no Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas e Vernáculos da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo, para a
obtenção de título de Doutor, intitulada “Verdade, contenda e poesia nos Idílios de Teócrito”, no ano de 2012:
“ ... Graciosa
Amarílis, por que, debruçando-te nesta caverna,
não me chamas
mais, a mim, teu benzinho? Odeias-me?
Acaso, de
perto, pareço ter narigão adunco,
ninfa, e
barbicha de bode? Acabas levando-me à forca.
Olha, trago
para ti dez maçãs: colhi-as de lá,
donde
mandastes colher, e amanhã te trarei outras mais.
Vê: cardialgia
é o que tenho. Quem dera, então, eu virasse
a abelha que zune, e aí nesta tua caverna
adentrasse,
passando por
meio da hera e do feno que a ti te recobrem.
Agora conheço
Amor, pesadíssimo deus...”
Que monumento a tua poesia, ó Teócrito! Que
simplicidade, que doçura! O amor não correspondido de um cabreiro sem nome, que
oferta à jovem Amarílis, como prova do sentimento, maçãs, flores e cabra, e uma
canção, uma canção de amor, amor campestre e juvenil. Ah, quantas vezes o Geia
não cantou uma canção de amor?
Pois voltando ao mundo real, Téo tirou um dez e
tinha as respostas na ponta da língua. Diferentemente do senhor, caríssimo
leitor, meu amigo se chama Teócrito, daí a pergunta e a resposta certeira;
muito culto, interessado em coisas diversas, e um grande leitor, ele sabia tudo
sobre Teócrito.
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