QUINZE ANOS >> Sergio Geia
Eu preparava a pequena lista havia dias: cerveja,
coca-cola, pratinhos para bolo, velas, copo de cachaça (pois tenho aqui em casa
apenas dois e precisava atender bem os meus convidados, apreciadores de uma boa
cachacinha); presunto, queijos, patês e salsicha para o cachorro quente. Mais à
noite, pegaria o bolo, de chocolate com morangos, encomendado na véspera.
Uma festa simples. Na verdade, uma singela
comemoração para não passar em branco. Já são quinze anos, e, se estou aqui,
mais entusiasmado com a vida do que antes, se estou aqui assistindo a vida
correr, a evolução, os progressos, a vibração ― e a vida não para,
a vida voa, e tudo vai ficando pelo caminho ―, é preciso comemorar.
Há quinze anos acordei com dor de cabeça; era um
sábado alegre, promissor, quente, primaveril. E com a cefaleia, insistente, a
sensação de aperto no peito, de dor na nuca, de esgotamento profundo. Na
farmácia, fui aconselhado a procurar um pronto-atendimento. Nessas alturas, a
pressão atingia os píncaros.
Há quinze anos nascia em mim, não uma cardiopatia
grave, mas o que a medicina denomina de hipertensão arterial. Nasciam também
algumas necessidades especiais, como a ingestão contínua de comprimidos ―
um composto de carbonato de magnésio, gelatina, laurilsulfato de sódio, amido,
amidoglicolato de sódio e estearato de magnésio; a necessidade de redução permanente
de sal, de controle do peso, de alimentação saudável.
Quando bateu a doença, o Geia ficou atônito, sem
saber o que esperar da vida. É comum ouvir que alguém tem pressão alta; grande
parte da população tem. Mas quando aconteceu com o Geia os dias ficaram
estranhos. Questionamentos como por exemplo “E a cachaça? A cerveja? O futebol?
Vão ficar pelo caminho?”, a questão da idade “Uma doença dessas, tão cedo,
seria sinônimo de encurtamento da vida?”, a submissão a um rigor de tratamento
até então desconhecido, apenas para manter a pressão em níveis aceitáveis, uma
vez que hipertensão não tem cura.
Mas a vida seguiu, o Geia seguiu, sem abandonar
os hábitos prazerosos que a vida oferece, mas também sem deixar de se cuidar, e
quinze anos se passaram. Nasceu há quinze anos no Geia uma doença crônica,
silenciosa, perigosa, ardil e controlável. Mas também nasceu você.
Depois de pequenas agruras, de inquietações, de
dissabores por conta de um mundo que da noite para o dia tornou-se cinza, o
sábado foi terminar na antessala de um hospital, à base de chás, calmantes e de
grande tensão. Não por causa da pressão, mas por sua causa. Na virada do sábado
pra domingo, nascia você, e o mundo, alguns minutos atrás, estranho, acinzentado
e feio, parecia recuperar todo o seu colorido, a sua beleza, a sua graça.
Vendo o seu sorriso doce agora, você com quinze
anos dentro desse vestido floral e leve, sinto que a cada novo começo meu
encantamento por você só aumenta; você me encanta. Seus olhos negros e vívidos,
sua força brutal, sua afeição por tudo que a vida tem de belo e bom, suas
posições firmes contra tudo que a vida tem de feio e ruim, numa idade tão
tenra, essa precocidade que talvez só a mulher tenha, me faz acreditar que você
é muito especial, e que especial é a sua missão nessa vida dura e confusa.
Eu preparava para a tua festa a pequena lista
havia dias: cerveja, coca-cola, pratinhos para bolo, velas, copo de cachaça; presunto,
queijos, patês e salsicha para o cachorro quente. Mais à noite, pegaria o bolo
que você havia escolhido, de chocolate com morangos, encomendado na véspera.
Uma festa simples (você não quis aquela festa grandiosa,
com damas, príncipes e tudo). Na verdade, uma singela comemoração para não
passar em branco esse momento singular de sua vida. Já são quinze anos, e se
estou aqui, mais entusiasmado com a vida do que antes e cada vez mais encantado
com tudo o que é você, se estou aqui assistindo a sua vida correr, a sua
evolução, os seus progressos, a sua vibração ― e a vida não para,
a vida voa, e tudo vai ficando pelo caminho ―, é preciso comemorar.
Ilustração: www.mensagenscomamor.com
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