MÁGUINO II >> Albir José Inácio da Silva

(Continuação de 17/10/16 - Máguino foi preso num grande mal entendido e tentava, com telefonemas aos Labac, resolver a situação. Para tanto contou com a ajuda do rigoroso Pedrada que num gesto humanitário concedeu mais de uma ligação).

Salário atrasado, contas vencidas e mulher cobrando pensão, não custava arriscar. Trouxe o telefone.

Quem visse Máguino assim algemado na delegacia poderia supor que se tratava de um meliante qualquer. Mas ele estava longe disso. Aquela prisão era apenas um incidente do tipo que acontece na vida dos grandes homens e, longe de abatê-los, serve para ilustrar no futuro suas ricas e inspiradoras biografias.

                                                              O COMEÇO

Máguino bendisse a hora em que o destino o colocou como motorista na empresa dos Labac, empresários a quem admirava e defendia das más línguas. Foram anos vestindo a camisa, defendendo os patrões e aguentando o desprezo dos colegas que o enxergavam puxa-saco. E tudo terminou num “muito obrigado pelos seus serviços”.

Incontáveis vezes almoçou biscoito no carro enquanto aguardava os patrões terminarem o encontro de negócios em restaurantes cinco estrelas. E tudo terminava assim numa magra indenização trabalhista por todo o sangue, suor e uma boa parte de sua existência na terra.

Mas onde todos enxergariam uma tragédia, Máguino percebeu um começo. Não nascera mesmo para funções subalternas, humilhações, embora reconhecesse de bom grado a superioridade dos patrões. Não eram patrões à toa. Nada acontece à toa. Mesmo que não tenham sido eles, alguém, “em algum lugar no passado”- gostava de citações – trabalhou duro, gastou pouco e administrou bem, para que hoje fossem uma família poderosa. Não tinha inveja, tinha reverência.

Mas se eles chegaram, ele também podia. Não lhe faltava determinação. E foi assim, a partir de uma banquinha de doces que a mulher Jandira sempre manteve na frente do barraco, – e ele desdenhava dizendo que se dependessem do comércio dela morreriam de fome – que Máguino começou sua nova vida.

Precisava de Dinheiro, e o fgts não dava nem pro começo. Procurou amigos, parentes e conhecidos, propondo sociedade na birosca que estaria funcionando em trinta dias com retorno garantido dos investimentos. Vendeu com segurança suas ideias, e as pessoas juntaram economias, pensões, aposentadorias e salários, venderam bicicletas e atrasaram carnês. Seu Aristides, pedreiro desempregado, aceitou o trabalho na construção das paredes do que seria o estabelecimento, que antes mesmo de existir já tinha o nome pomposo de “Máguino Comércio de Tudo S/A” – chegou a escrever Ltda, mas não gostou.

Inaugurada, a loja foi um sucesso. Jacira se esfalfava no batente, primeiro carregando tijolos e cimento, vez que não havia servente e Seu Aristides não podia trabalhar sozinho. Depois acordava às quatro para preparar a comida que era servida no balcão e entregue nas quentinhas. Mas não reclamava, convencida que estava também do sucesso dos negócios.

Ele estava sempre na rua em contatos com fornecedores e clientes, e providências outras que só ele podia tomar. Devolveu com avareza parte dos empréstimos que tomara a título de investimento, mas sem as corespondentes vantagens. Reclamava de perdas, margem de lucro mínima, recessão econômica e vários motivos que fizeram as pessoas se arrependerem  e ficarem felizes quando recuperavam alguma coisa. Era assim o capitalismo, explicava Máguino, às vezes se ganha, às vezes se perde.

Tocava assim o seu negócio, dizendo à mulher que iam muito bem e que ela continuasse trabalhando, e dizendo aos outros que estava fraco o empreendimento para que não lhe cobrassem dividendos. E fazia isso vestindo roupas de marca, que comprava na mesma loja em que várias vezes levou os Labac. Comprou também um relógio igualzinho ao que usava o Dr. Simão. Não só merecia, como precisava estar vestido condignamente para seus novos desafios empresariais. Ou pensavam que ele ficaria sempre dono de birosca?

Pensava ele na expansão das atividades, quando chegou um mensageiro dos Labac.

Um mensageiro? Por que não um zap, um email, um telefonema? Ainda não entendia bem esse negócio de distinção, mas um mensageiro devia ser muito mais chique. Estava só começando nessa vida de classe média e o melhor que fazia era aprender com os de cima.

Sorriu lisonjeado. Primeiro porque não o esqueceram como chegou a pensar. E depois teria o prazer de não aceitar de volta o emprego porque agora era empresário e os negócios iam muito bem, obrigado. Mas apressou-se em atender porque não se deixa pessoas tão distintas esperando.


(Continua em 15 dias)

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