O ESTRATAGEMA - PARTE I >> Zoraya Cesar
Depois de muito esforço e de concordar em pagar uma boa pensão, Lucio finalmente conseguiu que Violeta saísse de casa, assinasse a separação e parasse de aborrecê-lo com seus recados carinhosos, seus emails, presentinhos, bilhetes, declarações de amor. Violeta era um grude, já entrara na meia idade e Lucio não a agüentava mais.
Em menos de dois anos ele se apaixonou novamente e - tem homem que não consegue ficar sozinho - casou com a meiga, compreensiva e loura Cristiny. Alguns dias após a cerimônia, chegou o primeiro sinal de que Violeta não murchara nem fenecera na poeira do tempo. O presente de casamento foi parar diretamente nas mãos de nova esposa, acompanhado de um cartão gentil e meloso, e Lucio se preparou para a grande cena de ciúmes. Suou frio.
Cristiny, no entanto, teve uma reação totalmente inesperada: achou tudo muito civilizado e delicado da parte de Violeta e colocou o presente na sala. Lucio só faltou chorar de alívio, finalmente encontrara uma mulher sensata (Caros Leitores, não se zanguem comigo, essa é a opinião dele).
Violeta continuou a dar sinais de vida. De tempos em tempos, em intervalos cada vez mais curtos, escrevia cartas a Cristiny, como se fossem velhas amigas, contando pequenos segredos e intimidades de Lucio (“nunca lhe ofereça chá, ele diz que é coisa de doente; quando ele acordar mal humorado, nem chegue perto; ele ‘funciona’ melhor de manhã...”), e falava de seus próprios erros, alertando Cristiny que não os repetisse... Lucio ficava louco de ódio, mas a esposa achava interessante alguém ainda usar cartas e disse entender a posição de Violeta, afinal, era difícil se conformar em perder um homem como ele.
Lucio começou a ficar realmente exaltado quando passou a receber mensagens de Violeta em seu email particular, ao qual pouquíssimas pessoas tinham acesso. As mensagens, carinhosas, lembravam os velhos tempos, incluíam detalhes picantes e recordações românticas. Aquela mulher não tinha noção? Estava querendo destruir seu casamento, isso era óbvio. Até onde iria a tolerância de Cristiny com os desvarios da ex-mulher? Desativou seu email, trocando-o por outro. As mensagens continuaram chegando, misteriosamente, quase lhe causando um ataque de nervos, pois, por mais que pesquisasse, não conseguia rastrear o paradeiro de Violeta.
A coisa toda foi tomando proporções maiores, Violeta agora mandava presentes, todos relacionados às coisas que faziam enquanto casados. DVDs dos filmes que assistiram juntos e que ele gostara; lançamentos dos autores que ele admirava; até uma geléia de limão italiana que ele adorava, caríssima (“não reparem, encontrei numa promoção, não pude deixar de lembrar o tempo de vacas magras, quando tínhamos de dividir um milk-shake”). Lucio tinha tremores de ódio com a intrusão inconveniente, mas Cristiny continuava tranquila, e ainda brincava, Amor, não sabia que você era fã de Piratas do Caribe, vamos ver juntinhos?
Ele não achava a mínima graça, conhecia Violeta, devia estar armando alguma.
A essa altura, vocês devem estar se perguntando por que Lucio não procurou a polícia ou um advogado para dar um fim à perseguição. A verdade é que, enquanto estavam casados, Lucio se envolveu em algumas falcatruas pesadas, e Violeta de tudo sabia. E se vocês me perguntarem por que uma mulher possessiva como Violeta não denunciou o marido, movida pela dor de cotovelo, eu não saberia responder. Talvez ela não quisesse perder a pensão. Talvez o amasse de verdade. Quem sabe?
Mais algumas semanas se passaram até que Lucio resolveu dar um basta naquilo por conta própria e, respondendo a um dos emails de Violeta, pediu um encontro. Lucio tinha um plano. E uma arma não registrada.
No dia marcado, às nove horas da noite, ele subiu as escadas apodrecidas de um prédio velho e mal cuidado, num subúrbio distante, sem porteiro, sem vigilância. Um lugar tão pobre que nem traficantes havia. Paredes pichadas, cheiro de gordura e comida velha, sons de televisão no último volume, vozes iradas, crianças chorando. Uma pocilga. Como Violeta podia estar morando ali, com o dinheiro que recebia da pensão? Mas ela podia morar no inferno se quisesse, desde que o deixasse em paz.
A porta estava aberta. Ele entrou cautelosamente e encontrou Violeta estendida num sofá velho e rasgado, cercada de bebida e comprimidos. A louca, lembrou Lucio, é diabética, não podia beber. Violeta respirava com dificuldade, os olhos fechados. Ele se aproximou um pouco mais e pensou em todos os segredos que a destemperada guardava, no perigo que representava à sua carreira e ao seu novo casamento. Se um dia ela enlouquecesse de vez e abrisse a boca... Lucio pegou uma das almofada jogadas ao chão e fez que nem nos filmes de bandidos, encostou-a no peito de Violeta e atirou, uma única vez, no coração.
Saiu com a almofada debaixo do braço e teve o cuidado de não tocar em nada. Olhou para os lados enquanto se dirigia para a motocicleta, mas não havia ninguém – não que ele visse.
CONTINUA NO DIA 25 DE OUTUBRO, A PARTIR DAS 10H.
Comentários
Vou ficar imaginando o que será que a Violeta aprontou - será que ela morreu mesmo...
Vc voltou das férias inspirada!
Cecilia