O EGOÍSTA E O INDIVIDUALISTA
>> Eduardo Loureiro Jr.
É fácil reconhecer o egoísta. Ele é aquele que, indignado, corado, colérico, chama outra pessoa de — adivinhem — egoísta. A pessoa que é chamada de egoísta não tem nada de egoísta, normalmente é individualista.
Se você não entendeu, provavelmente você é um egoísta. Se deu um risadinha irônica, provavelmente é um individualista. Se apenas compreendeu, impassível, você é um santo. Não trataremos de santidade nesta crônica. O único propósito das palavras que seguem é esclarecer o egoísta que ignora sua própria condição...
O egoísta é aquele em torno do qual o mundo gira ou deveria girar — na visão do próprio, é claro. Ou, nas palavras do Houaiss, alguém que "subordina o interesse dos outros a seus próprios interesses". O egoísta é sutil, pois parece interessado nos outros. Porém é um interesse interessado mesmo, de quem quer que os outros se submetam a si. O egoísta é um grande controlador que tenta mover os outros como se esses fossem um conjunto de peças de um jogo. Como jogador, o egoísta acredita que sabe, melhor que ninguém, o rumo que deve dar às peças. O egoísta se acha generoso. E é mesmo benevolente, sempre disposto a transmitir sua energia às pobres peças letárgicas, que ficariam paradas a vida inteira se não fosse a generosidade do egoísta. Mas basta que uma das peças resolva se movimentar por conta própria, e em sentido diferente daquele que o egoísta pretendia, para que o egoísta tente forçá-lo a se corrigir.
Aqui entra o individualista. Aquele que, ainda segundo o Houaiss, "afirma sua individualidade pela independência de ações e pensamento". O individualista é aquele para quem cada um é um mundo girando à parte, conectado aos demais mundos por um equilíbrio delicado de repulsão, atração e gravidade. O individualista é adepto do "cada um na sua", é um macaco perfeitamente adaptado ao seu galho. O individualista é Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Álvaro de Campos: "Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade./ Assim, como sou, tenham paciência! / Vão para o diabo sem mim, / Ou deixem-me ir sozinho para o diabo! / Para que havemos de ir juntos? // Não me peguem no braço! / Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho. / Já disse que sou sozinho! / Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia! " O individualista é aquele que aprendeu a conviver consigo mesmo, que pensa que não precisa de ninguém e, por consequência, deduz que ninguém precisa dele.
Então se encontram o egoísta e o individualista. O individualista, que pensa bastar-se a si mesmo, não entra no jogo de mover peças do egoísta. O egoísta, ao encontrar alguém que não consegue submeter sutil ou abertamente, vocifera a sentença: "Seu egoísta, você só pensa em si mesmo". Não, não é verdade que o individualista só pense em si mesmo. O individualista pensa em muita gente, todo mundo separado, com encontros eventuais. A fala do egoísta é que está pela metade. O egoísta, se tivesse noção de seu próprio egoísmo, diria assim: "Você só pensa em si mesmo quando deveria pensar em mim." Mas isso pareceria ridículo até para quem não tem consciência de si. O individualista, se tem alguma disposição para a briga, assume aquilo que não é e responde seco: "Só um egoísta poderia reconhecer outro." Mas o individualista-padrão normalmente deixa passar, dando apenas dois passinhos para trás para se livrar da saliva fumegante do egoísta.
Do que foi dito acima, não se pense que é impossível o convívio entre o egoísta e o individualista. Podem conviver bem, muito bem até, desde que respeitando-se o seguinte. O egoísta reconhece o direito do individualista pensar e agir por si mesmo, desde que não fique espalhando essa doutrina por aí, o que levaria a uma diminuição do número de pessoas dispostas a se submeter ao egoísta. O individualista faz vistas grossas e deixa o egoísta continuar brincando o seu joguinho com as pessoas dispostas a isso.
E assim estão os dois combinados.
Se você não entendeu, provavelmente você é um egoísta. Se deu um risadinha irônica, provavelmente é um individualista. Se apenas compreendeu, impassível, você é um santo. Não trataremos de santidade nesta crônica. O único propósito das palavras que seguem é esclarecer o egoísta que ignora sua própria condição...
O egoísta é aquele em torno do qual o mundo gira ou deveria girar — na visão do próprio, é claro. Ou, nas palavras do Houaiss, alguém que "subordina o interesse dos outros a seus próprios interesses". O egoísta é sutil, pois parece interessado nos outros. Porém é um interesse interessado mesmo, de quem quer que os outros se submetam a si. O egoísta é um grande controlador que tenta mover os outros como se esses fossem um conjunto de peças de um jogo. Como jogador, o egoísta acredita que sabe, melhor que ninguém, o rumo que deve dar às peças. O egoísta se acha generoso. E é mesmo benevolente, sempre disposto a transmitir sua energia às pobres peças letárgicas, que ficariam paradas a vida inteira se não fosse a generosidade do egoísta. Mas basta que uma das peças resolva se movimentar por conta própria, e em sentido diferente daquele que o egoísta pretendia, para que o egoísta tente forçá-lo a se corrigir.
Aqui entra o individualista. Aquele que, ainda segundo o Houaiss, "afirma sua individualidade pela independência de ações e pensamento". O individualista é aquele para quem cada um é um mundo girando à parte, conectado aos demais mundos por um equilíbrio delicado de repulsão, atração e gravidade. O individualista é adepto do "cada um na sua", é um macaco perfeitamente adaptado ao seu galho. O individualista é Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Álvaro de Campos: "Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade./ Assim, como sou, tenham paciência! / Vão para o diabo sem mim, / Ou deixem-me ir sozinho para o diabo! / Para que havemos de ir juntos? // Não me peguem no braço! / Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho. / Já disse que sou sozinho! / Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia! " O individualista é aquele que aprendeu a conviver consigo mesmo, que pensa que não precisa de ninguém e, por consequência, deduz que ninguém precisa dele.
Então se encontram o egoísta e o individualista. O individualista, que pensa bastar-se a si mesmo, não entra no jogo de mover peças do egoísta. O egoísta, ao encontrar alguém que não consegue submeter sutil ou abertamente, vocifera a sentença: "Seu egoísta, você só pensa em si mesmo". Não, não é verdade que o individualista só pense em si mesmo. O individualista pensa em muita gente, todo mundo separado, com encontros eventuais. A fala do egoísta é que está pela metade. O egoísta, se tivesse noção de seu próprio egoísmo, diria assim: "Você só pensa em si mesmo quando deveria pensar em mim." Mas isso pareceria ridículo até para quem não tem consciência de si. O individualista, se tem alguma disposição para a briga, assume aquilo que não é e responde seco: "Só um egoísta poderia reconhecer outro." Mas o individualista-padrão normalmente deixa passar, dando apenas dois passinhos para trás para se livrar da saliva fumegante do egoísta.
Do que foi dito acima, não se pense que é impossível o convívio entre o egoísta e o individualista. Podem conviver bem, muito bem até, desde que respeitando-se o seguinte. O egoísta reconhece o direito do individualista pensar e agir por si mesmo, desde que não fique espalhando essa doutrina por aí, o que levaria a uma diminuição do número de pessoas dispostas a se submeter ao egoísta. O individualista faz vistas grossas e deixa o egoísta continuar brincando o seu joguinho com as pessoas dispostas a isso.
E assim estão os dois combinados.
Comentários
Muito bom!
Um abraço!
Particularmente, costumo me encaixar em quase todas as classificações, para o bem ou para o mal.
I N S U P O R T Á V E L de conviver
Apesar de as vezes tu me deixar bem "p" com suas individualidades, adoro te ler... e talvez por isso que mesmo que eu adoro te ler sempre! bjodakris
Beijos!
Prazer, Anna. Sou individualista confesso. :)
Mas claro, Albir. Esses deuses e monstros estão todos dentro da gente. :)
É, Anônimo 1... E quando a pessoa que é os dois é a gente mesmo? :)
Kris, adoro deixar o leitor p*, ainda mais o leitor egoísta. :) E adoro ser lido por você.
Então você é das minhas, Fernanda. :)
Adorei!!
Estou recomendando no meu blog seu excelente texto (conheço muitos individualistas e egoístas...rss. Eu mesma sou muito dos dois, dependendo do momento...rs)
Gde abraço e parabéns!
Keep on doubting, Carla. :) (Será que o Blogger vai encrencar com esse?) :(
MEU MARIDO EGOISTA E EU INDIVIDUALISTA :(
Bom saber que tem mais gente no time. :)
mas fiquei com uma dúvida. Todo chefe é egoísta? Sou diretora de empresa, por isso estou com essa dúvida. Buscamos envolver as pessoas para fazerem o que precisamos que seja feito; quando alguém discorda de nós abertamente, isso é um problema a resolver - o conflito é saudável mas não se for aberto e constante; enfim, temos um comportamento que se encaixa na definição de egoísmo.
Como fazer diferente?
Abraço
Penso que nem todo chefe é egoísta ("parece interessado nos outros, porém é um interesse interessado mesmo, de quem quer que os outros se submetam a si").
Talvez os chefes que pensam que sabem exatamente o que é melhor para a empresa/instituição, sejam egoístas.
Mas também podem haver chefes individualistas ("aquele para quem cada um é um mundo girando à parte, conectado aos demais mundos por um equilíbrio delicado de repulsão, atração e gravidade"), que pensam que cada trabalhador também pode ter uma boa ideia do que é bom para a empresa.
Me parece que ser egoísta ou individualista, é menos da função e mais da pessoa.
Abraço!