NARINHA, NARICES >> Sergio Geia
Faz tempo que não leio Caio. Ou Caio F. Ou Caio Fernando Abreu, como você preferir. É que não tem nenhuma novidade — você nos deixou muito cedo, amigo —, e todas as crônicas dele que tenho aqui eu já li; algumas, muitas vezes. E ando lendo agora Antônio Maria.
Mas hoje acordei com vontade de Caio. Pensei: depois da caminhada, do café, vou pegar um Caio. Ele tem o poder de mexer com as coisas lá de dentro. Talvez porque primeiro mexa com as suas coisas de lá de dentro e depois compartilha comigo, com você, com quem lê os sinais, em forma de crônica. E hoje acordei meio assim, precisando de uma mexida. E olha que nem falo de seus contos, de Morangos Mofados, de O ovo apunhalado, de Pedras de Calcutá, porque aí a coisa é mais embaixo, e a mexida pode até desnortear.
Começa assim: “É verdade, andei pesado. Pesado de olhar para fora, pesado de olhar social sem poesia, você sabe. Aí falei assim, Caio F., você precisa se dar um presente. Quando penso em presente, penso em coisa gostosa, quando penso em coisa gostosa, na maioria das vezes penso em música. Então fui até a Wop-Bop, a lojinha de discos mais agradável da cidade, entrei e não precisei olhar muito em volta. Tinha um disco de capa meio dourada, com a foto de uma moça de maiô. Era ela. Trouxe para casa”.
Primeiro pensei: nossa, como estou precisando me dar um presente. Há quanto tempo não me dou um? Mas segui, e Caio trouxe à baila Nara Leão e um disco gravado em 1987 chamado “Meus sonhos dourados”. A crônica “Um cantinho, um violão, uma Narinha” é ótima e recomendo que você a leia, assim como todas as outras de “A vida gritando nos cantos”, da Editora Nova Fronteira, uma coletânea de crônicas publicadas no jornal O Estado de São Paulo entre 1986 e 1996.
Não precisei me dirigir a Wop-Bop, se bem que talvez fosse até mais agradável o passeio. Enchi um copo de água, peguei os fones de ouvido, abri a sacada e deitei no sofá. Era uma manhã fria de sábado, um céu londrino ameaçava fazer chuva. Busquei no Spotify o disco “Meus sonhos dourados”, achei, fechei os olhos, segui.
Fazia tempo que não ouvia um disco, isso era tão comum lá atrás. Comprar o LP, chegar em casa, apreciar a capa, o encarte com as letras, deitar, ouvir de enfiada. Será que até isso a vida moderna roubou de nós? Tempo, tempo, tempo, tempo... Faz tempo também que planejo comprar uma vitrola; não me desfiz de meus discos, estão todos aqui, loucos para serem tocados.
"Meus sonhos dourados" é uma delícia de ouvir. Segundo o mestre, Nara pegou aquelas canções americanas que você já ouviu em algum lugar, num piano, num fim de noite, nem sabe onde, nem sabe quando, e regravou, em ritmo de pura bossa-nova. Pura narice. Ternura pura, segundo ele. Um barquinho a deslizar, no macio azul do mar. Deixei deslizar, deslizou, deslizei.
Comecei o sábado mais leve, com vinho e poesia. À tarde tem fazenda, tem festa despedida da Paula que vai para Lille, a Capital das Flandres, realizar seus sonhos dourados. Muita energia positiva pra ela. Axé! Amém!
P.S.: 1. Depois de uma temporada de pequenos contos, ela voltou, a crônica. Eu estava com saudades. Espero que vocês também; 2. Dia 10/09 tem lançamento em Sampa. “Retire aqui a sua história”, uma beleza de livro, editado pela Sinete dos caprichosos Whisner Fraga e Carla Dias. O livro não é meu. É do coletivo Crônica do Dia. Estarão lá além de mim, o Whisner, a Carla, e também Cristiana, Clara, Zoraya, Fred e Nádia, todos escritores da casa. Apareça! Bar Canto Madalena, a partir das 17h. Por conta disso, retorno aqui em 24/09. Beijos mil!
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