ENTRE FLUTUAÇÕES E A ESCURIDÃO >> Sergio Geia
Cyntia com ípsilon flutua.
A sensação a envolve, oferecendo momentos de puro nirvana; outros, de completo abandono e desamparo.
Depara-se com becos escuros; às vezes, uma luminosidade de neon que faz doer. Ela não lembra quanto, mas vodca bebeu; não comeu.
Beijava um cara na festa, um holandês; ou seria alemão? Lembra que tinha músculos reluzentes como uma superfície untada a verniz, louro alto, olhos tão azuis. Tatuagem esquisita escorrendo pelo pescoço, língua dura — a língua do holandês ou alemão a penetra, Cyntia treme com o calor no ventre.
Havia comprimidos em mãos, inofensivos como uma criança brincando; dois, que vieram dançando ao som da eletrônica. Um, subitamente esvaiu-se, talvez engolido por aquela lindeza escarlate e úmida, refúgio da língua dura. O outro, voou até ela, ziguezagueando, arremetendo, desaparecendo e surgindo de novo atrás de uma espinha enlouquecida, mas sempre buscando o mesmo destino; logo, desmanchava-se molhado e amargo.
Como algemas a atochar um ao outro, copulavam-se freneticamente, jungiam-se, beijavam-se, depois, Cyntia assumia o controle, cavalgava o enorme holandês ou alemão, cena nebulosa que teima em se descontruir, que derrete como picolé exposto ao sol.
Tenta colher dados, a festa, o holandês/alemão, mas nem o nome dele ela tem. E as meninas? Paula, Mari, Lu, Clara, onde foram parar vocês, suas diabas?
Dá a ordem e abre os olhos — ninfeta sem autoridade: a luminosidade de neon simplesmente a proíbe, a prende em sua cela escura; fecha. Toca-lhe a pele algo, sugestão de queimadura estranha, água-viva, os cabelos borrifam um azedo perfume.
Calor dos infernos — ela regouga, depois acarinha as pernas molhadas. Tenta encontrar um resquício de noite, o cheiro tão característico, os sons, mas o que encontra é somente um assento duro a esmagar costelas.
Decide então encarar e transcender aquela camada onírica sem fim.
Vê sol, mil sóis, cachorros, tiozinho correndo, som de crianças brincando, o desenho quase infantil do que parece ser uma praça. É dia e não noite, e nem bem escorrega a noção de que a manhã segue quente e luminosa, e que dorme num medonho banco de praça, vira a boca para o lado e vomita meio litro de vodca quente, atracada a pedaços de uma gosma fétida que turva a visão, mãos tremendo, acha que desmaia.
Quando é quase meio-dia, Cyntia se levanta, o corpo dói após o nocaute, dá uma ajeitada na roupa azeda, tenta vestir a sandália dourada, mas a tarefa se mostra além de suas forças. Decide levá-las então em mãos por um caminho obscuro, mas que espera poder dar em algum lugar.
Comentários