UM RASGO, UMA PREGA >> Sergio Geia


Minha calça rasgou. 

Okay, tudo bem, você deve imaginar “que grande acontecimento; com tantas preocupações sérias, a reforma da previdência, a falência das universidades federais, ministros batendo cabeça, trapalhadas políticas mil, o sujeito me aparece aqui e começa uma crônica dizendo que sua calça rasgou! Ora bolas! E eu com isso?” Acalme-se, amigo, relaxe um pouco. É uma simples crônica. Minha intenção é exatamente essa: fazer com que você esqueça um pouco dessas mazelas, dores de cabeça cotidianas que ultimamente tornaram-se “crônicas”, enxaquecas belicosas que só elas, e venha para o universo das “crônicas”, as verdadeiras, as originais, understood? Assim, esclarecido tudo, imagino, que tal nos divertirmos? Vamos? 

Pois minha calça rasgou. 

Não foi a primeira vez. Da primeira vez, minha mãe, que pouco enxerga e ouve mal, ao ver o pequeno rasgo na altura do zíper — não me pergunte como ela viu —, se assustou meio assim: “Cruzes! Você está com a calça rasgada?”. Fez-me sentir um homem desleixado, mas vamos por partes pois essa história tem suas peculiaridades. 

A calça. Ah, como gosto! É uma Gucci, jeans, clarinha como céu da manhã, com elastano, veste bem, confortável. Em minhas andanças, não consigo encontrar outra igual. Já comprei parecidas, mas nenhuma se assemelha a minha Gucci. Como está velha, a pobre, sinto-a puindo, não toda ela, claro, mas algumas partes; ainda assim, toco em frente, com cuidado, banhando-a com carinho, como se fosse um bebê. 

Quando rasgou a primeira vez, fiquei desconcertado. Porém, passado o susto, analisei o problema e não o considerei tão grave assim. Veja: a quantidade de gente que desfila por aí com calças rasgadas é absurda. Detalhe: não apenas um único rasgo como a minha, mas diversos, e em todas as partes. Assim, nem liguei. Ora, no mínimo estou na moda. Se antes pensei em descartá-la, depois, me senti, digamos, contemporâneo. Chique, né? 

Mas eis que num domingo, almoço no clube, encontro minha mãe, que não anda lá muito bem das pernas, com uma calça repleta de rasgos por toda parte (registrou, amigo? Registrou isso que acabei de dizer? Sim, a calça de minha mãe estava repleta de rasgos!), e ela, sem papas na língua, dispara: “Cruzes! Você está com a calça rasgada?”. Pensei comigo: “Olha quem fala...” 

Fui procurar um bom costureiro, o Sérgio; ele olhou, examinou, tateou, pensou, depois deu jeito na preciosa. Fez uma prega e pronto: ficou ótima. Mas nesse último sábado, ao me vestir, um puxão forte provocou outro rasgo, agora, na altura do joelho. Por precaução, domingo não a usarei. Se me der na telha, uso. Mas antes faço novos vincos, espalho rasgos pela calça inteira. Tenho certeza que minha mãe, ao ver minha calçada rasgada, dirá sem papas na língua: “Nossa, o Sergio está na moda! Olha a calça dele!”. Duvida?

Ilustração: Marcia Tette

Comentários

Albir disse…
Nem todos os rasgos são aceitos, Sérgio. Consulte sua mãe antes.
Zoraya Cesar disse…
Pô, depois desse comentário do Albir, nao digo mais nada kkkkkk. Na mosca!
Vai cuidando dela, Sergio, não rasgue nao, seja rebelde! Um rebelde com calça.
Carla Dias disse…
Ah, que tenho de concordar com Albir e Zoraya... :)

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