O ETERNO >> Carla Dias >>


O eterno dura o tempo do desejo. 

Quando não se alimenta esse desejo, morre o eterno, lamentando ter sido iludido pelo efêmero. Engana-se quem acredita que desejo é algo que se mantém por conta. Talvez, no primeiro momento. No segundo, já pede por certa dedicação para manter a fluência. Na maioria dos casos, morre de inanição. Alimentar desejo demanda tempo, que é uma das moedas mais valiosas da contemporaneidade, e atenção.

Andamos apegados à arte da distração.

Tornamo-nos distraídos contempladores de vazios.

Como este que encaro, um copo de água na mão, uma ruga de desamparo na testa, uma agonia reverberante melindrada por silêncio indigesto. Encaro sem enxergar, ansiosa para que acabe logo esse mergulho em slow motion que ofereço ao que em nada me interessa.

Não me importo mais com espectadores. Não valso mais para satisfazer cultivada necessidade de me tornar necessária ao olhar deles. Não temo mais que me esqueçam em um canto de achados por acaso e perdidos por escolha.

Não sei quanto tempo durará essa audácia de me desapegar do que fere com eficácia tirânica. Será que se desvanecerá assim que essa distração for embora? Assim que eu beber o último gole dessa água mornada por ter sido aprisionada em um copo? Então, serei abduzida pelo abismo dos desejos sibilantes, daqueles que se despem em público, porque não sabem se manter eternos, mas fazem questão de se tornarem descarados.

Aos poucos, vou reavendo a mim, porque o vazio é sedutor. Ele nos faz sentir únicos na nossa desolação. Sentir-se único é armadilha. Disso eu já sei.

O tempo do desejo é flexível, como jamais o tempo em si se tornará. O tempo do desejo depende exclusivamente do quanto o seu detentor recebe de inspiração e de desapontamentos, naquele momento.

Amanhã, o tempo dele pode ser outro. O desejo pode se tornar outro.

O meu, neste exato tempo, é de me desgarrar do que não me interessa. Que desejo sobrevive ao desinteresse? Assumo que até os desejos nascem erráticos, malconduzidos por ilusões-adornos. Esse meu, escorre pela indiferença que sustento pelo agora. Inadvertidamente, ele se esparrama em mim, inflamando tudo. 

Esse meu desejo vive por conta e risco, já não obedece ao meu esmero em ser lógica no trato com a busca que ele determinou. Esse meu desejo não é eterno, mas, veja bem, ele é terno e ternura é um hábil desestabilizador de planejamento.

Ternura evoca o direito de nos jogarmos ao sentimento que jamais consideraríamos na ausência dela. Há beleza nesse atrevimento da ternura. Há perigo, também.   

Lanço-me ao seu socorro. Solto o copo, desvio o olhar, volto à superfície.

Reanimo o desejo.

Terno enquanto dure, certo? 

talhe.blogspot.com

Comentários

Zoraya Cesar disse…
Não temo mais que me esqueçam em um canto de achados por acaso e perdidos por escolha.... Carla Dias, Carla Dias,ler esse seu texto num sábado chuvoso de manhã é um desafio ao vazio. Obrigada por esse momento.
Carla Dias disse…
Obrigada a você, Zoraya, por encaixar meu texto no seu dia.

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