ABACATE >> Analu Faria
"Abacate é 'o rei das frutas'",
me disse uma vez uma nutricionista, informação confirmada por outra (outra nutricionista,
não outra fruta, até porque frutas não falam). Isso na época em que eu fazia
dieta. “Você compra vários, tira a polpa, congela, faz estoque”, me disseram
também as duas profissionais, mais ou menos nessas palavras, em épocas e clínicas diferentes. Estocar comida sempre me fazia pensar em tragédia.
Talvez por isso as dietas não tenham vingado. É possível que meu inconsciente interpretasse
o armazenamento de polpas de abacate como uma preparação para o Armagedon e
reagisse boicotando a redução de calorias, impelindo-me irresistivelmente a
manter a rotina de gordices. De qualquer forma, mantive o hábito de comprar
abacates.
O problema é comê-los. Vou ao
supermercado toda semana, parto direto para os hortifruti, encontro os
abacates, escolho – primeiro pelo aspecto visual, depois apalpo – coloco no
carrinho, pago, levo para casa, coloco na geladeira. Quase uma semana depois,
quando já é quase dia de mercado novamente, lembro-me do abacate na gaveta do
refrigerador. Preto, mole, repulsivo. “Não tem problema, dessa vez eu compro um
menos maduro.” Vou ao supermercado, repito o ritual de aquisição da fruta. Não
como: esqueço, deixo para depois e lá se vai mais um abacate.
Admitindo minha incapacidade
de aproveitar a majestade nutricional dessa maravilha dos trópicos, decidi parar de compra-lo.
Frustrante, isso. Eu deveria forçar-me a comer e não desistir da luta. Por que
sempre desisto? Não tenho uma vida cheia de lutas? Não é preciso ir até o fim
para vencê-las? Não é com pequenas vitórias que se ganha uma guerra (nesse caso,
a conquista do venerável hábito de comer “o rei das frutas”)? E para onde
vão os abacates que não como? Quantas crianças famintas não poderiam se
alimentar do que jogo fora?
Chego em casa, sacolas de mercado
cheias e nenhum abacate. No centro da minha consciência, há um caroço
verde-acinzentado rodeado por pensamentos saudáveis, esperando serem comidos, ou, ainda, estocados em alguma geladeira da minha alma. O Armagedon do meu eu se anuncia. Prevejo o fim do meu mundo e reajo alimentando minha alma de um fast food mental interminável. Estou gorda por dentro. Deve ser a isso que chamam consciência pesada.
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Qualquer dia faço uma para você!