A LIBERDADE DA VELHICE [Debora Bottcher]
As pessoas mais velhas atestam que envelhecer é bastante complicado. Eu acho que é mesmo, mas também penso que se não há muitas vantagens, as que se tem podem ser infinitamente boas.
Primeiro, é preciso considerar que a outra opção a envelhecer é morrer jovem. Isso, por si só, já é um enorme argumento - eu acho que o meu pai, por exemplo, preferia estar enfrentando os embates de seus 65 anos a ter morrido aos 51. Minha percepção...
Depois, envelhecer te dá uma certa autonomia - não digo financeira, que essa é uma das complicações da idade, já que tudo fica mais caro (remédios, planos de saúde, dietas), e as pessoas, com poucas exceções e por razões diferentes, têm seus recursos diminuídos.
Mas a autonomia de que falo é aquela de não ter mais que se explicar. Na juventude, exceto os impulsos desmedidos e eventuais e as loucuras por paixões desatinadas, tudo é ponderado em cima do custo-benefício. As decisões que tomamos têm base no que queremos (ou achamos que) para o futuro. E sempre temos que argumentar - para nós ou para pais e amigos - o porque dessa ou daquela escolha.
Na velhice, não. Você pode querer um iPad de última geração e se alguém te perguntar para que - já que você tem computador em casa -, dizendo que você não trabalha mais, sai pouco e isso não lhe teria 'real' utilidade, você pode responder apenas 'porque eu quero'. Oras bolas! Quem foi que instituiu a 'real' utilidade das coisas? Na velhice, você pode ter um iPad para responder seus emails, navegar pelo Facebook e jogar bingo virtual nas três horas que têm de enfrentar entre um exame e outro, entre procedimentos diferentes, na sala de espera de exames. Por que não?
Na velhice você também pode se casar de novo e quantas vezes quiser. Conheço um senhor, mais jovem do que muitos jovens, que aos oitenta e cinco anos está no terceiro casamento - depois de ter sido casado quase sessenta com a primeira esposa. Mas no mesmo ano em que a perdeu, casou-se novamente com uma antiga namorada que reencontrou por acaso, também viúva. E quando a fatalidade, dois anos depois, também lhe ceifou esse que parecia ser seu 'romance de inverno', ele não se fez de rogado: chorou alguns meses, sacudiu a dor e foi à luta: casou-se com uma velha amiga da filha. E quando os filhos questionaram, ele respondeu: "Por que não? Porque tenho que ficar sozinho?" E quando argumentaram que ele não guardava nem o tempo do luto, retrucou: "Mas na minha idade não posso me dar a esse luxo! Quanto tempo me resta para ser feliz e desfrutar a vida?" Pois é... Com todo respeito às senhorinhas-adoráveis-esposas que partiram, sou obrigada a lhe dar razão... E como dizia meu pai, "viúvo é quem morre!"
Na velhice, salvo se sua saúde estiver muito debilitada, você pode morar onde quer. Na juventude, primeiro você mora onde pode; depois, com filhos e afins, onde precisa; finalmente, você pode morar onde quer. E isso significa, por exemplo, a despeito da opinião alheia, continuar morando naquela casa grande (caso da minha mãe, por exemplo), com quartos que você raramente usa e espaço para uma família que visita apenas ocasionalmente. Mas quem foi que colocou como regra que quando a gente envelhece tem que morar numa kitnet? A antiga casa tem uma vida inteira encerrada nas paredes. Na velhice, as pessoas não querem abandonar esses 'livros' esculpidos nas memórias de suas salas e jardins, outrora cheios de pessoas queridas...
Na velhice, você pode andar meio desleixado, desatento, ser extravagante. Você pode dormir até tarde, sentar-se na varanda sem pressa, esquecer...
Na velhice, não importam mais os erros cometidos (não dá mais pra consertar o passado), os julgamentos, os questionamentos. Não é preciso mais explicar, nem entender - os jovens é que têm que compreender que os velhinhos querem poder ficar onde eles querem, onde precisam, onde sentem-se bem, com os objetos, pessoas, desejos que eles ainda podem escolher.
Porque, na velhice, estamos livres!
Primeiro, é preciso considerar que a outra opção a envelhecer é morrer jovem. Isso, por si só, já é um enorme argumento - eu acho que o meu pai, por exemplo, preferia estar enfrentando os embates de seus 65 anos a ter morrido aos 51. Minha percepção...
Depois, envelhecer te dá uma certa autonomia - não digo financeira, que essa é uma das complicações da idade, já que tudo fica mais caro (remédios, planos de saúde, dietas), e as pessoas, com poucas exceções e por razões diferentes, têm seus recursos diminuídos.
Mas a autonomia de que falo é aquela de não ter mais que se explicar. Na juventude, exceto os impulsos desmedidos e eventuais e as loucuras por paixões desatinadas, tudo é ponderado em cima do custo-benefício. As decisões que tomamos têm base no que queremos (ou achamos que) para o futuro. E sempre temos que argumentar - para nós ou para pais e amigos - o porque dessa ou daquela escolha.
Na velhice, não. Você pode querer um iPad de última geração e se alguém te perguntar para que - já que você tem computador em casa -, dizendo que você não trabalha mais, sai pouco e isso não lhe teria 'real' utilidade, você pode responder apenas 'porque eu quero'. Oras bolas! Quem foi que instituiu a 'real' utilidade das coisas? Na velhice, você pode ter um iPad para responder seus emails, navegar pelo Facebook e jogar bingo virtual nas três horas que têm de enfrentar entre um exame e outro, entre procedimentos diferentes, na sala de espera de exames. Por que não?
Na velhice você também pode se casar de novo e quantas vezes quiser. Conheço um senhor, mais jovem do que muitos jovens, que aos oitenta e cinco anos está no terceiro casamento - depois de ter sido casado quase sessenta com a primeira esposa. Mas no mesmo ano em que a perdeu, casou-se novamente com uma antiga namorada que reencontrou por acaso, também viúva. E quando a fatalidade, dois anos depois, também lhe ceifou esse que parecia ser seu 'romance de inverno', ele não se fez de rogado: chorou alguns meses, sacudiu a dor e foi à luta: casou-se com uma velha amiga da filha. E quando os filhos questionaram, ele respondeu: "Por que não? Porque tenho que ficar sozinho?" E quando argumentaram que ele não guardava nem o tempo do luto, retrucou: "Mas na minha idade não posso me dar a esse luxo! Quanto tempo me resta para ser feliz e desfrutar a vida?" Pois é... Com todo respeito às senhorinhas-adoráveis-esposas que partiram, sou obrigada a lhe dar razão... E como dizia meu pai, "viúvo é quem morre!"
Na velhice, salvo se sua saúde estiver muito debilitada, você pode morar onde quer. Na juventude, primeiro você mora onde pode; depois, com filhos e afins, onde precisa; finalmente, você pode morar onde quer. E isso significa, por exemplo, a despeito da opinião alheia, continuar morando naquela casa grande (caso da minha mãe, por exemplo), com quartos que você raramente usa e espaço para uma família que visita apenas ocasionalmente. Mas quem foi que colocou como regra que quando a gente envelhece tem que morar numa kitnet? A antiga casa tem uma vida inteira encerrada nas paredes. Na velhice, as pessoas não querem abandonar esses 'livros' esculpidos nas memórias de suas salas e jardins, outrora cheios de pessoas queridas...
Na velhice, você pode andar meio desleixado, desatento, ser extravagante. Você pode dormir até tarde, sentar-se na varanda sem pressa, esquecer...
Na velhice, não importam mais os erros cometidos (não dá mais pra consertar o passado), os julgamentos, os questionamentos. Não é preciso mais explicar, nem entender - os jovens é que têm que compreender que os velhinhos querem poder ficar onde eles querem, onde precisam, onde sentem-se bem, com os objetos, pessoas, desejos que eles ainda podem escolher.
Porque, na velhice, estamos livres!
Comentários
"O passáro é livre na prisão do voo, o espiríto é livre na prisão do corpo, mas livre mesmo é estar morto". Não acho depressivo, acho libertador mesmo. parabéns pelo seu texto.
Mas eu tenho um medo tão grande dessa liberdade me prender num corpo cansado...
Vou aprender com você a ver com bons olhos o que me espera, em breve!
Bjs
Um beijo.
concordo totalmente.
Dormir a hora que quer, acordar quando bem entender é um luxo que eu, pelo menos, acho que só vou ter de novo na minha velhice... beijos querida!
Ivone Boechat (autora)
1- Nunca pergunte a um idoso: qual é o segredo de viver tanto assim? Porque a pessoa não vai lhe convencer ou vai dizer que não sabe a resposta. Quem vai adivinhar como se vive anos e anos, com tanta virose, corrupção, mentira, tapeação, bala perdida, exploração... ruindade!
2- Nunca telefone ou visite um idoso entre 12:00h e 16:00h. TODO idoso gosta de descansar nesse período sagrado.
3- Jamais conte um problema ao idoso. Ele vai poder ajudar? Também não seja o problema do idoso: é covardia. Ele não vai ter como se defender.
4- Nunca interfira na decisão do idoso: se ele decidiu ser enterrado ou cremado. Não fique reclamando do preço da cremação, do túmulo..Nem fique agourando e perguntando o que a família deve escrever por cima do túmulo.
5- Nunca diga ao idoso: essa história você já me contou dez vezes. Diga a ele que a história é interessante e o ajude a resumi-la. Ele vai entender que a história é conhecida!
6- Não estimule o idoso a se lembrar de um fato que lhe cause sofrimento. Desvie sempre a tristeza para o lado bom de tudo.
7- Não explore a disponibilidade do idoso, lembre-se que ele já trabalhou muito e hoje não tem mais resistência, saúde e vigor para tomar conta de problemas e cachorros... dos outros. Deixe em paz o cartão bancário com o pagamento da minguadíssima aposentadoria. Vai à luta!
8- Mude o canal da TV quando o assunto é desgraça!
9- Ao visitar o idoso, leve algo que lhe faça bem à saúde: boa conversa, estímulos, boas notícias... palavras cruzadas, linha para crochê... uma fruta que ele possa consumir... um livro. Nas festas de aniversário e Natal, seja criativo! Chega de tanto pijama e chinelo.
10- Lembre-se: a pessoa idosa tem todo direito à felicidade e não vai ser você que vai atormentar os derradeiros dias da vida de ninguém. Exercite a gratidão, o perdão, a solidariedade e chega de despejar lixos de traumas, tristezas antigas e carências na caçamba que a vida cismou de colocar na porta de quem lutou tanto para resistir às intempéries.
Ivone Boechat
Senhor,
muito obrigada pelas pessoas
que me empurraram pra frente
com as ferramentas da inveja...
Devo muito a elas,
provei que se pode viver
muitos e muitos anos,
quase sozinho,
guiado pelas velas
que foram colocando
no caminho
para me enterrar...
peguei as mais potentes e belas,
fiz um grande luzeiro para me iluminar.
Senhor,
obrigada pela minha vida,
pelas lutas da idade,
pelo caminho duvidoso,
pelas vitórias também,
obrigada pelo privilégio
de ser chamado de idoso,
bênção da longevidade,
glória da maturidade,
amém.