CANSEI DE SER COMBATENTE >> Fernanda Pinho
Normalmente, eu jogo a culpa no DNA. Não chega a ser indigno com meus entes nem desculpa esfarrapada. De fato, são assim. Os Pinho são pólvora. Os Barbosa são fogo. Sou fruto de uma combinação explosiva. E explodo. Quando me sinto injustiçada. Quando acho que alguém que gosto muito foi injustiçado. Quando não consigo ser compreendida. Diante da má vontade. Diante da arrogância - como se explodir também não tivesse algo de arrogante. A expressão "dou um boi para entrar numa briga e uma boiada para não sair" foi feita pra mim. Tenho certeza. Adoro falar "tenho certeza". E, pra falar a verdade, nunca sai mesmo de uma briga. Eu faço os outros saírem. Perdem por WO. Sou incansável na discussão. Tenho argumento pra tudo. Faço perguntas retóricas. Encosto na parede. Faço o outro cair em contradição, mesmo se estiver falando a verdade. Não abaixo a guarda. Não levo desaforo pra casa. Não tolero. Não volto atrás. Desenvolvi técnicas de linguagem corporal. Sustento o olhar do oponente e cresço. Eu que já tenho quase um metro e oitenta, numa discussão, fico com dois. Tenho a língua afiada, ferina. E isso vem de criança. Tenho provas. Gravações em VHS nas quais eu respondo às provocações do meu pai sem pensar. Sempre uma tirada a tiracolo. Um talento inato para desferir a palavra precisa para nocautear o outro. Não qualquer pessoa, naturalmente. Também não sou um monstro que sai por aí distribuindo agressões verbais. Mas qualquer faísca já é o suficiente. Sou a pessoa mais doce do mundo. Mas qualquer tiro de chumbinho, já é motivo pra rajada de canhão. E, olha, vou contar para vocês. Sempre ostentei meu canhão com orgulho. Falar o que penso, na minha cabeça, sempre foi minha maior qualidade. É legal ser sincera. É legal fazer justiça com as próprias palavras. É legal defender suas convicções e suas pessoas. É legal ser admirada por quem não tem coragem de ser assim. É legal botar tudo pra fora e não guardar mágoas nem motivos para um câncer futuro. Com esses argumentos venho sustentando minha fama de má. Mas carregar essa fama - com canhão e tudo - pesa. Ter fama de má é mais pesado do que ser mau de verdade. Quem é mau não se importa. E eu me importo muito. Na minha consciência, as palavras que lanço voltam como bumerangues estilhaçando minha paz. A língua afiada é como uma droga. O alívio imediato não compensa a angústia que vem depois. Me sinto a dona do mundo quando sou capaz de enfrentar alguém que tenha me desagradado. Mas é o tempo de voltar pra casa, tirar a armadura de ferro e chorar debaixo do chuveiro, que é um jeito de chorar escondida até de mim. Não se sabe o que é gota, o que é lágrima. Tudo é quente e molhado. Gosto de dizer que sou uma casca grossa com a sensibilidade à flor da casca. Mas a casca está rachada, a fama de má está fake demais, o canhão anda pesando nas minhas costas, antevejo consequências desastrosas. E antes que elas aconteçam, estou colocando minhas armas no chão e erguendo os braços. Eu me rendo. Sério mesmo.
Imagem: www.sxc.hu
Comentários
Entretanto,temo.ler.as.entregas.de.pontos.no.ringue.da.vida,e.acreditar.q.seja.verdade.mesmo.que.ser.forte.um.dia.nos.levará.ao.arrependimento.de.ser.forte.
Desculpe,.mas.não.estou.com.vc.
Belo.texto.
abnerlmesmo.blogspot.com
Adorei.
Lourdes