NÃO ME ACOSTUMO >> Kika Coutinho
Dia desses foi Dia das Mães. Alguém, no elevador, perguntou-me se eu já era mãe. Sou, respondi sorridente. A pessoa deu-me os parabéns e foi embora. Como se isso fosse normal. Fiquei lá, dentro do elevador, sem nem saber pra que andar ir diante de tamanha banalidade. Como que a pessoa não se surpreendeu? Como que achou normal? Como que não gritou: “Pombas, você é mãe! Caraca, que bacana!” Isso para não falar palavrões enormes, que exprimiriam melhor o susto. Não. A pessoa acha que é normal ser mãe. Dizem que é. Mas eu não me acostumo.
Não me acostumo a ver-me naquele bebê. Não me acostumo a ver que ela tem o nariz do pai, os meus olhos, misturou os nossos traços tão bem e fez-se outra, sem ser totalmente outra, porque é um pouco de mim também. Quem é que juntou isso, quem desenhou essa mistura, criou na minha barriga, com meus órgãos, meus líquidos, com minhas nojeiras todas, esse bichinho tão bem criado?
Não me acostumo com o berço no quarto vizinho ao meu, o choro à noite, o riso repentino. Não me acostumo com o milagre que me chama a cada amanhecer, balbuciando sílabas soltas: ba-pa-ma-ba-ba... “Ela disse mamãe!”, penso, orgulhosa, sabendo-me tola. É que não me acostumo.
Não me acostumo com as mãzinhas estendidas, pedindo colo e saciando-se em mim, agarrada a mim quando, enfim, para de chorar. Ela para de chorar em mim. Em mim que não sou nada nem ninguém, mas a bichinha acalma-se e aquieta-se, agarrada a mim. Uma pequena tola é a minha filhota... Talvez por isso eu não me acostume.
Não me acostumo com peito que vaza leite, alimento da minha cria, minha própria cria, saída de mim. Às vezes, confesso, corro até o espelho do banheiro e abaixo um pouco a calça jeans para ver a cicatriz da cesárea. “Então é verdade?”, digo para mim mesma, espantada. “Ela saiu mesmo por aqui”, respondo entre o susto e a alegria, o impossível que se fez possível em mim. Como?
O impossível se fez em tantas de nós...
Olho no shopping, as mulheres que arrastam os seus rebentos pelas mãos e tento tornar usual o milagre: “Olha" – repito para mim mesma – "aconteceu com todas elas. É normal, é real, é até banal”, tento convencer-me para, em seguida, diante das pequeninas mãos que agarram meus dedos, assustar-me: “Meu Deus, é um milagre”. Volto à mesma ladainha.
Porque não me acostumo. É uma mão tão pequenina, uma orelhinha tão bem desenhada, uma bebê já cheia de impaciências e quereres. Mas, oras, não fui eu quem fiz? Não fui eu quem pus no mundo, como é que quer viver por si só, como é que quer pegar a colher agora? Pois quer. E, logo, vai querer pegar a mochila sozinha, vestir-se sozinha, quem sabe dirigir e viajar... Meu Deus, logo vai estar entrando na perua da escola, a acenar-me com as pequenas mãos: “Tchau, mãe”, dirá, sorridente, minha pequena cria. Dirá, sem saber que me rasga o coração dar-lhe asas, me rasga o coração fazê-la independente, mas, eu sei, rasga-me ainda mais o coração impedir o seu voo. Que sinuca de bico em que nos metemos. Que ideia maluca essa. Criar o que é seu, sem que seja seu. Amar o que é você, sem que seja você. Não. Definitivamente não me acostumo.
Comentários
Bom mesmo tê-la de volta...te acompanhei desde Embuchada, e sempre ameis teus textos. E agora além de vc, tenho minha grande amiga Fernanda escrevendo por aqui...Claro que estarei sempre por aqui!
E entendo vc...como se acostumar? Eu mal me acostumo a ter minha casa, meu marido, imagina quando eu for mãe? Acho que é o milagre mais lindo desse mundo! E o fato de vc não se acostumar só mostra o quanto vc é especial, em sempre achar especial o fato de ser mãe!
Beijos pra vc e pra pequena!
Beijos grandes