EU IMAGINO >> Ana Coutinho
Então fomos viajar no carnaval. E fomos para um lugar frio. Não, não um pouco frio, muito, mas muito, muito frio. Saímos do verão brasileiro de 30 e tantos graus e descemos no inverno americano, em algo como 6 graus negativos. Passamos 7 dias lá, aquele frio horrível, o corpo chegando a doer tamanho o gelo que entra por qualquer buraquinho dos seus mil casacos e, quando eu falava com alguém no Brasil, e dizia como estava frio, a pessoa me respondia: “Eu imagino”.
A cada vez que eu ouvia esse “eu imagino”, lembrava-me de uma amiga e de uma história que aconteceu há muitos anos: Essa minha grande amiga perdeu o pai numa morte muito trágica (que morte não é trágica?). No enterro as pessoas a abraçavam, diziam que sabiam da sua dor, que sabiam do que ela estava passando, que entendiam o que era aquilo e, lá pelas tantas, ela virou pra mim e disse: “As pessoas podem até entender o que eu sinto. Mas ninguém – ninguém – sente o que eu sinto”. Isso me marcou profundamente e, desde então, nunca mais consolei alguém com palavras automáticas como: “Eu sei que você está sofrendo, posso imaginar a sua dor, etc, etc”. A verdade é que não, não podemos imaginar o quanto está frio em outro país quando derretemos nesse calor insuportável que se faz no Brasil. E eu tive vontade de dizer isso aos meus interlocutores brasileiros: “Não, você não imagina, não. Você não sabe como é sentir isso, agora, nesse instante. Ter o seu corpo inteiro congelando, o nariz rachado, os lábios todos cortados, até o relógio de seu pulso parado, tamanho o frio que se instalou aqui.” O frio não era uma perda, um sofrimento, um lamento. Mas, como minha amiga, tive vontade de dizer: “Você não sabe da minha dor.”
A verdade é que nunca sabemos. Às vezes nem mesmo a nossa dor nos é clara, quiçá a dor alheia.
Quantas vezes não menosprezamos o sentimento de alguém, não padronizamos as nossas palavras, como fazem os atendentes de telemarketing: “Eu sei, senhora. Sinto muito, senhora. Esse é o procedimento, senhora”. Não, minha amiga, eu não sei da sua dor. Eu não sei e não consigo imaginar o que você está sentindo, e, mesmo isso sendo muito pouco, a minha dedicação em te ouvir e te acolher é enorme. Seria mais simples e verdadeiro, não?
A pedra no sapato alheio, a pimenta nos olhos dos outros, é sempre um mistério para nós. E uma das coisas mais difíceis da vida é aceitar o nosso desconhecimento, as nossas misérias, a nossa falta de noção ao lidar com quem está em apuros. Por isso, admiro os psicólogos. Admiro alguém capaz de assistir ao outro chorando por meia hora seguida sem sentir-se afobado, sem dar uma desculpa, um tapinha no ombro, saindo logo dali.
Admiro quem se cala quando não tem palavras. Admiro quem assume sua impotência, suas falhas, suas covardias, talvez. Num mundo cheio de falsos heróis e grandes gurus, admiro quem se identifica como humano, simplesmente humano.
A cada vez que eu ouvia esse “eu imagino”, lembrava-me de uma amiga e de uma história que aconteceu há muitos anos: Essa minha grande amiga perdeu o pai numa morte muito trágica (que morte não é trágica?). No enterro as pessoas a abraçavam, diziam que sabiam da sua dor, que sabiam do que ela estava passando, que entendiam o que era aquilo e, lá pelas tantas, ela virou pra mim e disse: “As pessoas podem até entender o que eu sinto. Mas ninguém – ninguém – sente o que eu sinto”. Isso me marcou profundamente e, desde então, nunca mais consolei alguém com palavras automáticas como: “Eu sei que você está sofrendo, posso imaginar a sua dor, etc, etc”. A verdade é que não, não podemos imaginar o quanto está frio em outro país quando derretemos nesse calor insuportável que se faz no Brasil. E eu tive vontade de dizer isso aos meus interlocutores brasileiros: “Não, você não imagina, não. Você não sabe como é sentir isso, agora, nesse instante. Ter o seu corpo inteiro congelando, o nariz rachado, os lábios todos cortados, até o relógio de seu pulso parado, tamanho o frio que se instalou aqui.” O frio não era uma perda, um sofrimento, um lamento. Mas, como minha amiga, tive vontade de dizer: “Você não sabe da minha dor.”
A verdade é que nunca sabemos. Às vezes nem mesmo a nossa dor nos é clara, quiçá a dor alheia.
Quantas vezes não menosprezamos o sentimento de alguém, não padronizamos as nossas palavras, como fazem os atendentes de telemarketing: “Eu sei, senhora. Sinto muito, senhora. Esse é o procedimento, senhora”. Não, minha amiga, eu não sei da sua dor. Eu não sei e não consigo imaginar o que você está sentindo, e, mesmo isso sendo muito pouco, a minha dedicação em te ouvir e te acolher é enorme. Seria mais simples e verdadeiro, não?
A pedra no sapato alheio, a pimenta nos olhos dos outros, é sempre um mistério para nós. E uma das coisas mais difíceis da vida é aceitar o nosso desconhecimento, as nossas misérias, a nossa falta de noção ao lidar com quem está em apuros. Por isso, admiro os psicólogos. Admiro alguém capaz de assistir ao outro chorando por meia hora seguida sem sentir-se afobado, sem dar uma desculpa, um tapinha no ombro, saindo logo dali.
Admiro quem se cala quando não tem palavras. Admiro quem assume sua impotência, suas falhas, suas covardias, talvez. Num mundo cheio de falsos heróis e grandes gurus, admiro quem se identifica como humano, simplesmente humano.
Comentários
Foram superficiais desde sempre. A gente é que diz que o nome de perceber isso é amadurecer.
Felizes são os encontros com os outros que sentem - e não são apenas os psico-coisas, mas são cada vez mais raros.
Beijo!
A que se ter respeito com a palavra, mas a linguagem do silêncio... Ah, como ele fala, e como fala!
Precisamos fazer mais uso, desse recurso, quando as palavras soarem vazias de afeto e conteúdo.Belo texto!