CRÔNICA PRA TE IRRITAR AÍ NA SUA CASA, NO SEU CELULAR, COM A INTERNET QUE VOCÊ PAGOU >> ALLYNE FIORENTINO
— Não, querida, você está querendo distorcer as coisas.
— Do que você tá falando, cara?
— De você! Você tem essa mania de querer distorcer as coisas. Eu não sei que tipo de zé ruela você sai, mas comigo isso não vai acontecer.
— Distorcer? Mas como assim? Então, quer dizer que qualquer coisa que contrarie a sua opinião é uma distorção de realidade?
— Não, eu sei o que você está tentando fazer... Mas eu tenho dados, são fatos. E contra fatos não há argumentos.
— Além de uma pesquisa qualquer que você quer aplicar a todos os casos, que tipo de dados você tem? Diga pra mim.
— Todo mundo que eu conheço. Posso te dar vários exemplos de pessoas que eu conheço que se encaixam nessa estatística. O Jorginho, por exemplo, ele...
— Peraí, você está me dizendo que baseia toda a sua realidade apenas naquilo que você pode ver e nas suas experiências pessoais?
— Claro, eu preciso ver para crer! Eu lido com a realidade nua e crua. Eu não tenho a “mente Disney”. Eu falo muito isso pros meus funcionários, vocês têm a mente cheia de fantasias, sejam menos Disney...
— Você entende que a realidade é uma perspectiva? A realidade não está dada enquanto verdade, até mesmo porque a própria verdade é apenas um conceito. E a verdade nesse momento é que talvez nós tenhamos bebido um pouco de álcool e isso tenha exacerbado um pouco as coisas. Ou que talvez o álcool não tenha nada a ver com isso e você seja apenas uma pessoa extremamente difícil de lidar. Como eu disse, são perspectivas.
— Mas isso está completamente fora de propósito! Isso não combina comigo. Nunca ninguém me disse isso! Todo mundo diz que eu sou muito humilde, democrático, aberto a ideias...
— Claro, é porque toda a sua bolha de conhecidos te disse isso e você acredita piamente, não é? Afinal, é um dado de realidade.
— Não sei do que você está rindo. Estou te falando sério, jamais alguém me disse que eu era assim e eu acho muito leviano você me julgar dessa maneira. Você está querendo distorcer a realidade, já te falei. Eu sou científico!
— Não parece ser muito científico. Se fosse científico, saberia que o empirismo é um método falível... Posso te dar um exemplo?
— Vai, fala!
— Imagine que você conviva apenas com bolsonaristas...
— Mas o que política tem a ver com isso?
— Não tem nada a ver, é só um exemplo para você fazer um paralelo. Você vai deixar eu falar?
— Fala.
— Imagine, vamos supor... que você conviva apenas com bolsonaristas e, na sua bolha de convívio, os jovens de 25 anos têm porte de arma. De acordo com a sua perspectiva empírica, se todo jovem de 25 anos que você conhece tem porte de arma, conclui-se que todos os jovens da sociedade, na idade de 25 anos teriam porte de arma. E isso é verdade? Claro que não. Concorda?
— Eu não entendi onde você quer chegar. Em momento nenhum eu falei sobre política e o que você falou não faz nenhum sentido.
— Cara, sério, eu já estou ficando sem paciência. Acredite no que você quiser.
— Você tem que partir da realidade. Faça um teste. Você conhece quantas pessoas que se casaram cedo e que não se separaram? Eu conheço várias, conheço várias mães solo, amigos que se casaram cedo e todos hoje em dia estão separados.
— Definitivamente, não sei como uma conversa normal chegou a esse ponto do absurdo, cara.
— Eu sei, é uma realidade dolorosa e você está em negação.
— Então, eu vou resumir essa situação pra você visualizar o estado absurdo dela, de forma macro, como você gosta de fazer... Tem umas 4 horas que estamos discutindo porque você está tentando dizer pra mim o motivo de eu ter me divorciado. Uma situação particular que eu vivi, eu estava lá, eu passei por isso e você acha que pode me encaixar numa estatística, mesmo eu te dizendo que isso não se aplica totalmente ao meu caso. Percebe o absurdo disso? Eu já te falei que o motivo do divórcio não foi porque eu me casei nova.
— A ciência é clara, casais que se casam jovens se separam. E foi, sim, por isso que você se separou.
— Cara, eu desisto.
— Hey, não fique brava. É ciência. Você é uma estatística, mas não leve pro lado pessoal!
— OK. Não vou mais discutir isso. Quero saber onde está seu macho.
— Meu macho? Que macho?
— Você é ativo ou passivo?
— Eita, mulher, tá doida? Eu sou espada. Não gosto dessas modernidades não.
— Você é bissexual.
— Eu nunca te disse isso. De onde tirou essa ideia? Sou heterossexual.
— Não, não é. Segundo pesquisas, quase todo mundo pode ser considerado bissexual. Freud comprovou isso. É ciência. São dados. Fatos.
— Aí, não, bebê. Eu nunca tive desejo por homem.
— Calma, você só está em negação. É ciência.
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Imagem: Freepik.
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