ALMOÇO >> Whisner Fraga
espicho o ouvido pelo terror amadeirado: silêncio,
na retaguarda, uma mão afrouxa a ansiedade de meses:
podemos sair?, sim. tem certeza?, (nenhuma, penso): sim.
melhor a escada, regamos as maçanetas com álcool 70,
seríamos dois ninjas até o carro, não fossem as roupas coloridas,
ufa - entramos - ufa - de que lado é mesmo a chave na ignição?,
o motor tosse, regateia: as bielas, os pistões, os cabos se acostumaram à preguiça,
(gasolina tem prazo de validade?)
um estrondo denuncia minha vitória: a menina ri,
mas é um riso empenado, a boca imóvel a não ser por uma suave trepidação,
o carro pula, sai acossando os buracos das avenidas, sufoca, mas segue,
você tem certeza?, a menina insiste,
(tenho vontade de declarar: não há nenhuma certeza em nada [mas não posso])
sim, tenho,
estacionamos, o restaurante vazio, há um protocolo, deve haver,
há,
é seguro?, a menina escarafuncha,
(tenho vontade de alertar: ninguém sabe [mas não posso])
sim, é sim,
almoçamos meio envergonhados - a comida atraca na garganta,
mesmo famintos estamos sem fome,
abandonamos os talheres:
e agora?, pra casa.
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