CASAR OU COMPRAR UMA BICICLETA? >> Fernanda Pinho
Indecisa
de carteirinha, de berço, de pai e mãe, resolvi fazer logo os dois. Primeiro eu
casei e o casamento me trouxe à Santiago. E Santiago é um convite a
pedalar. Uma grande planície protegida
pelas montanhas e cordilheiras, onde os parques brotam a cada esquina. E há
também as ciclovias. E o respeito pelo ciclista. Por isso eles estão em um
número cada vez maior e meu desejo de me juntar a eles existia desde que eu
cheguei.
Não
um desejo novo, mas o resgate de uma paixão antiga. Quando criança, meu
brinquedo preferido ela minha Caloi rosa. Quando adolescente, naquele natal em
que todo mundo ganhou o patins roller, eu quis outra bicicleta. Dessa vez, uma
mountain bike laranja. Desaparecer
pedalando sozinha pelas ruas do bairro – ainda que a geografia de Belo
Horizonte não seja tão generosa com os ciclistas como a daqui – era minha maior
diversão e talvez o único trabalho que eu tenha dado para minha mãe.
Voltar
a andar de bicicleta era uma promessa antiga, uma dívida que eu tinha comigo
mesma e que Santiago me deu a oportunidade de pagar. O marido se animou com
minha ideia e começou a averiguar quais seriam as melhores bicicletas para dois
pretensos atletas. Mais indeciso que eu
(existe!), fazia meses que ele andava às voltas com nomes de marcas, modelos,
especificações e mais um monte de detalhe que eu nem sabia que existia. Decidi
então passar o carro – ou a bicicleta -
na frente dos bois. Minha vontade de pedalar estava gritando. Aproveitei a ocasião do aniversário dele, fui à loja, escolhi duas bicicletas e pronto! Eu
sabia que ele ia gostar. Ele é libriano como eu e eu conheço nossa lógica:
quando estamos com muita dúvida, é ótimo que alguém decida por nós.
Desde
então, somos o casal mais ciclista dos Andes. A princípio, adotamos a bicicleta
pelo puro prazer de pedalar e se exercitar. Mas já é notório que, de fato, se
trata do transporte do futuro. Outro dia, de carro, pegamos um engarrafamento
ainda na nossa rua. Não pensamos duas vezes. Abandonamos o carro no acostamento
e pegamos nossas esbeltas (não gosto de chamar de “magrela”, trauma de
infância). Ultrapassar os carros que continuaram estagnados me deu uma sensação
de liberdade tremenda. E andar de bicicleta é exatamente isso: liberdade!
Bicicleta é um meio de transporte sem nenhum tipo de amarra. Não tem trânsito,
não tem combustível, não tem contramão. Qualquer esquina que eu cismo de dobrar
me serve. Estou descobrindo cada pracinha, cada ruazinha. Uma nova Santiago se
apresenta. Para mim, a forasteira, e para ele, o nativo. Sem pressa, sem carro,
ele também está descobrindo de novo sua cidade.
E
estamos descobrindo um novo jeito de se comunicar. Bicicleta não é transporte
individual como parece. No carro,
estamos sempre conversando, é verdade. Mas nas bikes também. Desenvolvemos
códigos, olhares, aprendemos a conversar em silêncio.
Aprendemos a conversar em silêncio. Achei isso tão legal que pensei em finalizar a crônica assim. Mas houve uma atualização de última hora: mostrei o texto ao meu marido e ele me confessou que continua fazendo pesquisas sobre acessórios para bicicletas e pensa em comprar um sistema de comunicação via bluetooth para a gente poder se falar durante as pedaladas. Nasce um novo dilema: continuar conversando em silêncio ou me render à tecnologia?
Aprendemos a conversar em silêncio. Achei isso tão legal que pensei em finalizar a crônica assim. Mas houve uma atualização de última hora: mostrei o texto ao meu marido e ele me confessou que continua fazendo pesquisas sobre acessórios para bicicletas e pensa em comprar um sistema de comunicação via bluetooth para a gente poder se falar durante as pedaladas. Nasce um novo dilema: continuar conversando em silêncio ou me render à tecnologia?
www.viveremportunhol.blogspot.com
Comentários
No ano passado, tive a oportunidade de conhecer Amsterdã e me encantei com o estilo de vida de lá, onde a bicicleta é realmente o meio de transporte predominante e é possível circular por toda a cidade sem risco de atropelamento.
E que delícia deve estar sendo morar em Santiago, hein? Sei que você ama nossa terrinha tanto quanto eu, mas acho que a troca não foi nada ruim, né?
Um grande abraço! ;o)
Tenho tentado juntar energia e coragem para explorar as ciclovias do Rio, apesar do calor pouco piedoso daqui.
Ler textos que despertam a vontade de aprender a conversar em silêncio é sempre uma ajuda.
Um beijo enorme!