REQUENTADO PARA MATINÊ
>> Albir José Inácio da Silva
Os sustos infligidos a Tânia, e as gargalhadas às suas custas, tinham sido insuficientes para cobrar a empáfia e a arrogância de primeira aluna, de queridinha dos pais, professores, parentes e vizinhos. Era preciso alguma coisa maior e definitiva para apagar aquele ar de superioridade que se escondia atrás da candura do sorriso e dos gestos.
Essas considerações eram feitas por Cleide, irmã de Tânia, para convencer o namorado Gilson a ajudá-la nessa empresa. Contavam com o que lhes parecia o pavor de Tânia por tudo que se referia ao sobrenatural. Contavam também com o grande motor das ações humanas, a inveja.
Não era gratuita a rejeição de Tânia às coisas do além. O que inicialmente foi identificado como medo acabou se revelando muito mais forte que isso. Tremia sim e se agitava diante de fenômenos estranhos, mas era mais que medo. De alguma maneira sentia que participava e até controlava essas coisas. Não foram poucas as vezes em que previu situações ou mudou com o pensamento acontecimentos que pareciam inevitáveis.
Descobriu que não tinha medo dos acontecimentos, tinha medo do envolvimento que acabava tendo com esses assuntos, mesmo sem querer. Fugia porque, presente, acabava interferindo. Felizmente conseguiu manter tudo isso fora do conhecimento das outras pessoas. E todos interpretavam sua reação como incontrolável pavor diante do sobrenatural.
Tânia jamais imaginaria aquelas maquinações de sua irmã. Gostava de todos, ajudava a todos nas tarefas, nos estudos e nos problemas pessoais. Encarava com bom-humor as brincadeiras destinadas a assustá-la, e depois as gozações decorrentes dessas brincadeiras. Nunca achou que passassem disso. Nunca passou por sua cabeça o rancor que secretamente, disfarçadamente sua irmã lhe dedicava.
A oportunidade surgiu numa noite sem lua que ameaçava chover. Tânia foi facilmente convencida da necessidade de ir à casa da avó morta há alguns meses, que permanecera fechada. A maioria das pessoas tinha medo de ir ali, mas por isso mesmo o lugar se revelou perfeito para o que Gilson e Cleide tinham em mente.
Deixada no meio da sala grande, enquanto o casal se dirigia aos quartos para procurar o que tinham ido buscar, Tânia olhou os móveis cobertos de poeira e teias de aranha. O cenário, aliado a algumas preparações da dupla, seria capaz de assombrar qualquer corajoso. Ainda mais, pensaram, uma medrosa como Tânia. Com auxílio de uma corda que chegava ao quarto onde Gilson estava, ele bateu a janela três vezes e arrastou caixas e correntes no forro da casa.
Coincidências acontecem – embora algumas pessoas não acreditem em coincidências - e a chuva que ameaçava cair desabou no exato momento em que a janela batia. O vento sacudiu as velhas e empoeiradas cortinas. Um casal de gatos em lua-de-mel no telhado contribuiu com gritos e gemidos aterradores.
Gilson e Cleide voltaram à sala prontos para a gargalhada. Gargalhada que, entretanto, fica presa na garganta. Tânia está calma. A janela que Gilson já parou de movimentar à distância continua batendo. As correntes continuam sendo arrastadas. Os gatos uivam como lobos. A situação já lhes fugiu do controle.
Tânia continua impassível, olhando a janela e o teto. No rosto, um quase sorriso. Levanta uma das mãos em direção à janela rebelde, que para de bater. O vento para de sacudir as cortinas. Já não se houve a chuva nem os trovões, e os raios param de ofuscar a vista. Talvez porque tivessem mesmo que parar em algum momento. Com a outra mão Tânia aponta o teto; as correntes no forro silenciam e os gatos cessam toda atividade amorosa, talvez por exaustão. Só então ela percebe que a irmã e o cunhado estão em choque.
- Não tenham medo, já passou!
Cleide sai da catatonia num choro convulso, olhos arregalados e o rosto banhado em lágrimas. Uma tremura sacode o corpo e a alma de Gilson. Ele também está molhado, mas não de lágrimas.
Essas considerações eram feitas por Cleide, irmã de Tânia, para convencer o namorado Gilson a ajudá-la nessa empresa. Contavam com o que lhes parecia o pavor de Tânia por tudo que se referia ao sobrenatural. Contavam também com o grande motor das ações humanas, a inveja.
Não era gratuita a rejeição de Tânia às coisas do além. O que inicialmente foi identificado como medo acabou se revelando muito mais forte que isso. Tremia sim e se agitava diante de fenômenos estranhos, mas era mais que medo. De alguma maneira sentia que participava e até controlava essas coisas. Não foram poucas as vezes em que previu situações ou mudou com o pensamento acontecimentos que pareciam inevitáveis.
Descobriu que não tinha medo dos acontecimentos, tinha medo do envolvimento que acabava tendo com esses assuntos, mesmo sem querer. Fugia porque, presente, acabava interferindo. Felizmente conseguiu manter tudo isso fora do conhecimento das outras pessoas. E todos interpretavam sua reação como incontrolável pavor diante do sobrenatural.
Tânia jamais imaginaria aquelas maquinações de sua irmã. Gostava de todos, ajudava a todos nas tarefas, nos estudos e nos problemas pessoais. Encarava com bom-humor as brincadeiras destinadas a assustá-la, e depois as gozações decorrentes dessas brincadeiras. Nunca achou que passassem disso. Nunca passou por sua cabeça o rancor que secretamente, disfarçadamente sua irmã lhe dedicava.
A oportunidade surgiu numa noite sem lua que ameaçava chover. Tânia foi facilmente convencida da necessidade de ir à casa da avó morta há alguns meses, que permanecera fechada. A maioria das pessoas tinha medo de ir ali, mas por isso mesmo o lugar se revelou perfeito para o que Gilson e Cleide tinham em mente.
Deixada no meio da sala grande, enquanto o casal se dirigia aos quartos para procurar o que tinham ido buscar, Tânia olhou os móveis cobertos de poeira e teias de aranha. O cenário, aliado a algumas preparações da dupla, seria capaz de assombrar qualquer corajoso. Ainda mais, pensaram, uma medrosa como Tânia. Com auxílio de uma corda que chegava ao quarto onde Gilson estava, ele bateu a janela três vezes e arrastou caixas e correntes no forro da casa.
Coincidências acontecem – embora algumas pessoas não acreditem em coincidências - e a chuva que ameaçava cair desabou no exato momento em que a janela batia. O vento sacudiu as velhas e empoeiradas cortinas. Um casal de gatos em lua-de-mel no telhado contribuiu com gritos e gemidos aterradores.
Gilson e Cleide voltaram à sala prontos para a gargalhada. Gargalhada que, entretanto, fica presa na garganta. Tânia está calma. A janela que Gilson já parou de movimentar à distância continua batendo. As correntes continuam sendo arrastadas. Os gatos uivam como lobos. A situação já lhes fugiu do controle.
Tânia continua impassível, olhando a janela e o teto. No rosto, um quase sorriso. Levanta uma das mãos em direção à janela rebelde, que para de bater. O vento para de sacudir as cortinas. Já não se houve a chuva nem os trovões, e os raios param de ofuscar a vista. Talvez porque tivessem mesmo que parar em algum momento. Com a outra mão Tânia aponta o teto; as correntes no forro silenciam e os gatos cessam toda atividade amorosa, talvez por exaustão. Só então ela percebe que a irmã e o cunhado estão em choque.
- Não tenham medo, já passou!
Cleide sai da catatonia num choro convulso, olhos arregalados e o rosto banhado em lágrimas. Uma tremura sacode o corpo e a alma de Gilson. Ele também está molhado, mas não de lágrimas.
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Bjs