PÓS-PRODUÇÃO >> Eduardo Loureiro Jr.
Ainda bem que as eleições de 2010 terminam hoje. A campanha eleitoral foi longe demais: invadiu o terreno sagrado de meus sonhos.
Eu, que já tive o privilégio de sonhar namorando a Maitê Proença atrás das cortinas do belíssimo cinema São Luiz, recebi em minha cama, de ontem para hoje, os candidatos à presidência da república. Não conto o sonho inteiro para não aborrecer o leitor, invadindo também seu sacrossanto domingo. Permito-me apenas dizer que não dei mole para eles. Para o Serra, já desconsolado com a iminente derrota, ofereci uma frigideira gigante, dizendo: "Pula aqui que eu vou fritar você". Depois, caminhando na contramão da massa que vinha comemorar a vitória de Dilma, distribuí empurrões e palavrões para a multidão.
Mas esta crônica não é sobre política, e sim sobre o que acontece depois. "Depois de quê?", perguntará o leitor. Depois de tudo. Depois das eleições, depois desta crônica, depois de "foram felizes para sempre", depois do disco, depois do show.
Eu tinha já meus 26 anos quando descobri uma verdade incontornável da vida: existe um depois. Foi numa sala do anexo do também belíssimo Theatro José de Alencar. Eu participava de um curso de Produção de Eventos Culturais, ávido para aprender como viabilizar meus sonhos de música e literatura. Lá pelas tantas, a professora começa a falar de pós-produção. "Como assim pós-produção?", perguntei sem perguntar. Para mim, depois da produção ou do espetáculo, só restava sair com os amigos para tomar uma cajuína e papear. Elisa, a professora, fez como o mundo de Cartola: reduziu minhas ilusões a pó.
Não que a pós-produção em si fosse algo estranho ao meu mundo. Eu já sabia, à época, que deveria lavar os pratos que sujasse, e também tinha passado pelas primeiras dificuldades do casamento que deveria ser feliz para sempre. Mas eu pensei que certas áreas da vida — as artes e os sonhos — estavam protegidas do castigo do depois. Não estavam. Não estão.
Depois do impacto inicial da descoberta catastrófica, fui me acostumando, afinal fazer o quê? Foi nessa época que comecei a produzir já pensando na pós-produção, em facilitar a pós-produção: cozinho o macarrão antecipando a lavagem da panela; planejo as coisas considerando não apenas o trabalho que dão agora, mas, principalmente, o trabalho que darão depois para limpar, desmontar, devolver, encaminhar, comprovar, desfazer-se, sumirem... O que era uma simples adaptação a algo de que não gostava, começou a se transformar num prazer quase compulsivo.
Agora, enquanto escrevo esta crônica, me ocorreu que talvez seja consequência dessa minha obsessão pela pós-produção o que chamo de desapaixonamento. Eu costumava me apaixonar — por pessoas, por coisas, por ideias — com uma velocidade inacreditável. Quebrei a cara muitas vezes, pois saltava do precipício da vida, voando com as asas do sonho, e só acordava quando batia no duro chão da realidade. Mas arrisco dizer que foi nesses curtos momentos de voo que cheguei mais perto da felicidade. Quando comecei a me preocupar com a pós-produção, a paixão se dissolveu como uma paisagem de sonho. Hoje, se me ocorre uma ideia genial, penso quinhentas vezes antes de colocá-la em prática, e geralmente não coloco — daria MUITO trabalho. Hoje, acho que seria incapaz de dedicar-me a alguma coisa, a um hobby, como fiz com os jogos de tabuleiro durante alguns anos da minha vida, afinal, qual seria o objetivo disso? Hoje, quando vejo uma mulher linda, linda, linda na rua, não levo mais que três segundos para imaginar todos os defeitos dela, todas as atitudes e manias que tornariam insuportável a convivência.
Sei que o ser humano, de uma maneira geral, e o escritor, em particular, acha que está sempre certo. Mas talvez, apenas talvez, isso tudo esteja errado: eu sonhar com Dilma e Serra em vez de sonhar com Maitê Proença; eu fazer portfólio em vez de beber cajuína; eu trocar uma refeição saborosa por uma refeição fácil;
eu dispensar uma ideia genial e me dedicar a uma ideia exequível; eu preterir as qualidades e me concentrar nos defeitos.
Sim, estou errado, embora me pareça certo admitir que estou errado — não há como escapar ao destino humano da certeza.
Ao final da noite, depois do resultado das eleições, vou dormir e sonhar um sonho trabalhoso, quase impossível de realizar; um daqueles sonhos que não são fáceis, mas que dão sentido à vida da gente.
Eu, que já tive o privilégio de sonhar namorando a Maitê Proença atrás das cortinas do belíssimo cinema São Luiz, recebi em minha cama, de ontem para hoje, os candidatos à presidência da república. Não conto o sonho inteiro para não aborrecer o leitor, invadindo também seu sacrossanto domingo. Permito-me apenas dizer que não dei mole para eles. Para o Serra, já desconsolado com a iminente derrota, ofereci uma frigideira gigante, dizendo: "Pula aqui que eu vou fritar você". Depois, caminhando na contramão da massa que vinha comemorar a vitória de Dilma, distribuí empurrões e palavrões para a multidão.
Mas esta crônica não é sobre política, e sim sobre o que acontece depois. "Depois de quê?", perguntará o leitor. Depois de tudo. Depois das eleições, depois desta crônica, depois de "foram felizes para sempre", depois do disco, depois do show.
Eu tinha já meus 26 anos quando descobri uma verdade incontornável da vida: existe um depois. Foi numa sala do anexo do também belíssimo Theatro José de Alencar. Eu participava de um curso de Produção de Eventos Culturais, ávido para aprender como viabilizar meus sonhos de música e literatura. Lá pelas tantas, a professora começa a falar de pós-produção. "Como assim pós-produção?", perguntei sem perguntar. Para mim, depois da produção ou do espetáculo, só restava sair com os amigos para tomar uma cajuína e papear. Elisa, a professora, fez como o mundo de Cartola: reduziu minhas ilusões a pó.
Não que a pós-produção em si fosse algo estranho ao meu mundo. Eu já sabia, à época, que deveria lavar os pratos que sujasse, e também tinha passado pelas primeiras dificuldades do casamento que deveria ser feliz para sempre. Mas eu pensei que certas áreas da vida — as artes e os sonhos — estavam protegidas do castigo do depois. Não estavam. Não estão.
Depois do impacto inicial da descoberta catastrófica, fui me acostumando, afinal fazer o quê? Foi nessa época que comecei a produzir já pensando na pós-produção, em facilitar a pós-produção: cozinho o macarrão antecipando a lavagem da panela; planejo as coisas considerando não apenas o trabalho que dão agora, mas, principalmente, o trabalho que darão depois para limpar, desmontar, devolver, encaminhar, comprovar, desfazer-se, sumirem... O que era uma simples adaptação a algo de que não gostava, começou a se transformar num prazer quase compulsivo.
Agora, enquanto escrevo esta crônica, me ocorreu que talvez seja consequência dessa minha obsessão pela pós-produção o que chamo de desapaixonamento. Eu costumava me apaixonar — por pessoas, por coisas, por ideias — com uma velocidade inacreditável. Quebrei a cara muitas vezes, pois saltava do precipício da vida, voando com as asas do sonho, e só acordava quando batia no duro chão da realidade. Mas arrisco dizer que foi nesses curtos momentos de voo que cheguei mais perto da felicidade. Quando comecei a me preocupar com a pós-produção, a paixão se dissolveu como uma paisagem de sonho. Hoje, se me ocorre uma ideia genial, penso quinhentas vezes antes de colocá-la em prática, e geralmente não coloco — daria MUITO trabalho. Hoje, acho que seria incapaz de dedicar-me a alguma coisa, a um hobby, como fiz com os jogos de tabuleiro durante alguns anos da minha vida, afinal, qual seria o objetivo disso? Hoje, quando vejo uma mulher linda, linda, linda na rua, não levo mais que três segundos para imaginar todos os defeitos dela, todas as atitudes e manias que tornariam insuportável a convivência.
Sei que o ser humano, de uma maneira geral, e o escritor, em particular, acha que está sempre certo. Mas talvez, apenas talvez, isso tudo esteja errado: eu sonhar com Dilma e Serra em vez de sonhar com Maitê Proença; eu fazer portfólio em vez de beber cajuína; eu trocar uma refeição saborosa por uma refeição fácil;
eu dispensar uma ideia genial e me dedicar a uma ideia exequível; eu preterir as qualidades e me concentrar nos defeitos.
Sim, estou errado, embora me pareça certo admitir que estou errado — não há como escapar ao destino humano da certeza.
Ao final da noite, depois do resultado das eleições, vou dormir e sonhar um sonho trabalhoso, quase impossível de realizar; um daqueles sonhos que não são fáceis, mas que dão sentido à vida da gente.
Comentários
Eu acredito! Não nos políticos, mas em mim...rsrs
Bjs
Edu, como sempre profético!
Também ando querendo sonhar um sonho trabalhoso!
Adorei demais!
Beijao
Profeta eu, Fê?! :) Vamos lá, trabalhar nossos sonhos.
Quando lemos bons textos nos inspiramos e isso,definitivamente ,serve de alimento.Que bom,né?
Eu continuo lá.Espero uma nova visita,uma nova crítica.Super beijo!
A propósito,muito bacana seu texto.Mais uma vez...
o pós de ontem é o per de hoje e o pré de amanhã. Não há muito pra onde correr.
Bem lembrado, Albir. Bem lembrado! Não há como escapar. :)
Sou melhor no impulso ;)
Sábias palavras, Carla. Estou meditando nelas. ;)