BORBOLETA >> JANDER MINESSO

 

Peguei um trânsito desgraçado na Raposo Tavares. Já passava do meio-dia e, sob o pretexto de tapar um buraco no acostamento, a administradora da via bloqueou a faixa da direita por três quilômetros. Apesar do outono, o calor entortava o horizonte enquanto a fila de carros se arrastava pelo asfalto.

Eu vinha de uma reunião onde era o único cara de camiseta na sala. Todos os outros usavam camisas de manga longa abotoadas até o pescoço. A ideia era discutir um projeto novo, mas a maior parte da conversa girou em torno da fortuna estimada da família Safra e do fato que a última festa da Forbes fora deveras caída.

Antes disso, ainda encarei quarenta e cinco minutos de trânsito no brejo gourmet da Vila Olímpia. Ao longo do caminho, três motoboys me cortaram pela direita. E o motorista da Tucson na minha frente deve ter visto algo muito interessante no celular enquanto o semáforo da Atílio Innocenti ficava verde, depois amarelo, depois vermelho outra vez. Tudo isso aconteceu depois que saí de casa brigado com a minha companheira por algum motivo muito importante, mas que já esqueci.

Enquanto repassava esses acontecimentos na memória, o trânsito da Raposo parou de vez. Respirei fundo. E então, me peguei olhando para o capim alto na beira da estrada. O céu além do matagal parecia roxo de tão azul. Tudo era estático, feio, duro. Até que, em meio àquela secura, apareceu uma borboleta amarela. A criatura flanava pela vegetação torta, alheia ao engarrafamento, rodopiando para lá e para cá. Me lembrou uma crônica do Rubem Braga em que o narrador sai pela rua correndo atrás de uma borboleta, fascinado com o abandono do inseto. A lembrança me fez sorrir até não sorrir mais. A borboleta foi embora. Ainda fiquei uns quarenta minutos parado.

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Imagem: Erik_Kartis por Pixabay

Comentários

Nadia Coldebella disse…
Ganhou um respiro, né? Deve ter sido lindo o contraste: o roxo do céu, o amarelo do borboleta e o cinza do cimento. Um toque de vida na dureza do asfalto.
E me conta, essa crônica saiu enqto vc esperava?
Zoraya Cesar disse…
Esse sorriso deve ter sido tão rico! que bom que, apesar de todas as desditas, vc manteve o olho atento para a beleza. Algo em nós sempre nos salva do empedernimento.
Ana Raja disse…
Que vc sempre possa encontrar uma borboleta amarela em seu caminho!
Albir disse…
Mesmo sem saber, sempre buscamos uma borboleta amarela. E às vezes ela vem.
Que alegria saber que num dia chato, vc tem olhos para ver a beleza da borboleta amarela.

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